A Jornada do Último Guerreiro Capítulo 3
O Chamado da Aventura
Tao Wang, deitado sob a mesma árvore onde tantos pensamentos o perturbavam, não conseguia se livrar da sensação de que algo estava mudando. Desde a chegada de Shen, o velho viajante, sua mente estava agitada. As histórias que o homem compartilhou durante a refeição na noite anterior ainda ressoavam em sua cabeça.
Shen parecia carregar o peso de um mundo além das montanhas, e suas palavras, ditas com uma voz grave e cheia de sabedoria, haviam deixado marcas profundas em Tão.
— Há uma vastidão além das montanhas, rapaz. Cidades enormes, campos devastados pela guerra, terras de fome e desespero. Muitos se iludem com a ideia de que a aventura é feita apenas de glória e conquistas, mas o que vi lá fora… — Shen fizera uma pausa, seus olhos se enchendo de tristeza. —
O que vi lá fora pode devorar a alma de um homem.
Tao não conseguia afastar a imagem que essas palavras evocavam: um mundo repleto de perigos, mas também de possibilidades. Algo nele queria ver tudo aquilo com seus próprios olhos, por mais assustador que fosse.
Na manhã seguinte à chegada de Shen, Tao despertou mais cedo do que o habitual, decidido a confrontar suas inquietações. O viajante ainda estava hospedado na casa de sua família, recuperando-se da longa jornada, e Wang sabia que, se havia alguém que poderia responder às suas perguntas, era ele.
Ao chegar à pequena cabana onde Shen estava hospedado, encontrou o velho sentado na varanda, contemplando as montanhas à distância. Parecia tão imerso em seus pensamentos que Tao hesitou antes de se aproximar. Mas sua curiosidade era maior do que qualquer hesitação.
— Shen — começou Tao, sua voz baixa e incerta. — Você disse que o mundo lá fora é perigoso. Mas o que exatamente há além das montanhas? O que há de tão terrível que faz parecer que viver aqui, em Liang, é a única opção sensata?
Shen olhou para o jovem, seus olhos penetrantes estudando-o por um momento, como se estivesse avaliando se Wang estava pronto para ouvir a verdade.
— O que há lá fora? — repetiu Shen, com uma pitada de melancolia em sua voz. — Há muitas coisas que o coração de um jovem não está preparado para entender completamente. Há fome, guerras intermináveis, e pessoas que perdem tudo o que têm em busca de poder. Você já ouviu falar de cidades em chamas? Vi com meus próprios olhos vilas como esta, belas e pacíficas, serem destruídas em uma questão de horas. Homens e mulheres correm em desespero, crianças são separadas de seus pais. O mundo lá fora não é apenas perigoso, Tao… ele é cruel.
Tao sentiu um nó se formar em sua garganta. A ideia de guerra e destruição era algo tão distante de sua realidade em Liang que parecia quase irreal. Mas ele podia ver nos olhos de Shen que nada daquilo era exagero.
— Mas... — Tao começou, com uma mistura de temor e curiosidade. — Então, por que as pessoas saem de suas vilas? Por que você mesmo saiu? Se é tão terrível lá fora, por que não ficar em lugares como este, onde há paz?
Shen sorriu levemente, um sorriso cansado que parecia carregar o peso de uma vida inteira.
— Essa é uma boa pergunta, rapaz. — O velho suspirou profundamente. — Mesmo com todo o perigo, com toda a dor, o ser humano tem uma necessidade de buscar algo além do que conhece.
Alguns buscam poder, outros, conhecimento. Alguns apenas querem fugir de um destino pior. Mas sempre há algo que nos impulsiona para frente. Uma busca, uma inquietação. Como o que você sente, Tao.
Tao se calou. Shen havia tocado exatamente no ponto que ele tentava esconder de si mesmo. Aquele desejo insaciável de saber o que havia além, de entender mais sobre o mundo. Algo dentro dele pedia para ele se aventurar, mesmo sabendo dos perigos.
— Eu… eu sinto isso — admitiu Tao, com um toque de vergonha. — Eu amo esta vila, minha família. Mas há algo dentro de mim que me empurra para fora daqui. Como se houvesse um mundo inteiro esperando por mim lá fora, algo que preciso ver com meus próprios olhos. Não sei se é aventura ou apenas curiosidade. Mas eu não consigo ignorar esse chamado.
Shen assentiu lentamente, como se já esperasse por essa confissão. Seu olhar era compreensivo, e por um momento ele parecia ver a si mesmo naquele jovem à sua frente.
— Esse é o dilema de muitos que crescem em lugares pacíficos como Liang — respondeu Shen calmamente. — A tranquilidade, por mais preciosa que seja, não satisfaz aqueles que anseiam por algo mais. Mas lembre-se, jovem Tao, o que você busca lá fora pode não ser o que imagina. O mundo tem uma forma de moldar os corajosos e destruir os imprudentes.
Tao ficou em silêncio, as palavras de Shen ecoando em sua mente. Ele sabia que havia verdade nelas, mas também sabia que não poderia ignorar o sentimento crescente dentro dele. Ele não seria capaz de passar o resto de sua vida em Liang, perguntando-se o que mais havia por aí.
Shen se levantou lentamente, sua expressão se suavizando.
— A decisão é sua, Tao. Se escolher deixar esta vila, faça-o com o coração firme e os olhos abertos. Não deixe que o medo te paralise, mas também não se deixe cegar pela promessa de aventura. A verdadeira força vem de saber equilibrar ambos.
Wang assentiu, sentindo um novo peso em seus ombros. Ele sabia que ainda tinha muito a pensar, mas uma coisa era clara: o desejo de explorar o mundo além das montanhas estava crescendo dentro dele, cedo ou tarde, ele teria que seguir esse chamado.
Quando voltou para casa naquela tarde Tao sentiu a familiaridade da vila envolvendo-o como um cobertor. Mas agora, a tranquilidade de Liang parecia diferente — não era mais um abrigo completo, mas sim um ponto de partida. O destino de Wang, ele sabia, estava além dos vales verdes que haviam sido seu lar por toda a vida.
Indíce
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