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A Jornada do Último Guerreiro - Livro 01

Capítulos 36

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A Jornada do Último Guerreiro Capítulo 21

Silêncios e Sombras

Para Tao, o dia já parecia pesar mais do que deveria. Ele desceu as escadas lentamente, o corpo cansado e a mente desgastada pelos pesadelos que haviam perturbado seu sono. Cada passo que dava parecia ecoar em sua mente, como um lembrete constante do que tinha visto na noite anterior.

O cheiro familiar de pão torrado e café flutuava pelo ar, um sinal de normalidade que contrastava com o tumulto que Tao sentia por dentro. Mei, sua mãe, estava ocupada à mesa, servindo o café da manhã. Cheng, seu pai, já estava sentado, o jornal aberto diante dele, mas sua atenção não estava nos textos; ele observava silenciosamente o filho que se aproximava.

—    Bom dia, meu filho — Mei o cumprimentou, sorrindo calorosamente ao vê-lo entrar na cozinha.

Ela sempre tinha uma energia acolhedora pela manhã, algo que costumava acalmar Tao. No entanto, hoje, ele apenas retribuiu o sorriso com um aceno rápido, sem conseguir encontrar palavras. Sentou-se à mesa, sua mente ainda presa nas imagens que tinham assombrado seus sonhos.

Mei franziu o cenho levemente, notando a falta de conversa. Tao costumava ser mais envolvido, mais participativo nas refeições, mas ultimamente, esse silêncio estava se tornando cada vez mais frequente. Ela trocou um olhar discreto com Cheng, que observava o filho com uma preocupação crescente.

A tigela de arroz que Mei colocou diante de Tao permaneceu intocada. Ele apenas empurrava os grãos com os hashis, sem apetite. Seus pensamentos estavam longe dali, vagando entre as lembranças vívidas da vila destruída, as chamas consumindo tudo, e os soldados – aquelas figuras sombrias que ele não conseguira identificar, mas cujo poder malévolo era inegável.

Cheng, incapaz de ignorar o comportamento do filho, finalmente quebrou o silêncio.

—    Tao, algo está errado? — Sua voz tinha um tom firme, mas suave, um equilíbrio que ele dominava bem. Pousou o jornal de lado, encarando o filho com um olhar atento.

Tao permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos focados no prato à sua frente. Ele não sabia se queria falar sobre o que tinha visto – o peso das visões que atormentavam sua mente era algo que ele sentia que deveria carregar sozinho. Mas a preocupação no olhar de Cheng o fez perceber que não poderia esconder isso para sempre.

—    Não dormi muito bem — ele disse finalmente, sua voz baixa e rouca pelo cansaço. — Tive pesadelos a noite toda... Não consegui descansar.
 
Mei, que estava em pé ao lado da mesa, se aproximou e colocou uma mão gentil no ombro de Tao.

—    Pesadelos? — ela perguntou suavemente, inclinando-se para ter uma visão melhor do rosto do filho. — Meu querido, o que você sonhou?

Tao hesitou, sentindo o peso de suas palavras antes mesmo de pronunciá-las. Relutante, ele finalmente ergueu os olhos e olhou para seus pais.

—    Sonhei... com a vila. Ela estava tomada por chamas. Tudo estava destruído. Havia soldados, muitos soldados, cercando tudo. Mas... eu não conseguia ver o rosto deles. Eram sombras, figuras escuras. Tudo parecia... sombrio, irreconhecível.

Cheng franziu o cenho ao ouvir isso, inclinando-se levemente para frente em sua cadeira. Seus olhos estreitaram, tentando decifrar as palavras do filho, e talvez perceber o que estava por trás daquele relato. Ele sabia que Tao havia passado por muito ultimamente, e sonhos, especialmente pesadelos, poderiam ser reflexos dessas pressões.

—    Foi só um pesadelo, Tao — Cheng disse, tentando tranquilizá-lo. Sua voz era firme, como sempre, trazendo uma tentativa de segurança que Tao normalmente apreciaria. — A vila está segura.

Isso nunca vai acontecer. Você tem carregado muitas preocupações nos últimos dias, e isso pode estar afetando seu sono. Não deixe que esses sonhos te atormentem. Eles não têm poder sobre a realidade.

Tao assentiu lentamente, mas a verdade era mais complicada. Ele sabia que o que tinha visto não era um simples pesadelo. As visões estavam se tornando mais frequentes, e ele começava a temer que elas fossem mais do que meros sonhos. Era como se o futuro estivesse tentando lhe enviar uma mensagem, uma advertência sobre o que estava por vir. E ele não sabia como contar isso aos seus pais sem causar pânico.

—    Eu sei... — ele murmurou, tentando convencer a si mesmo tanto quanto a eles. — Mas era tudo tão real.

Mei notou a hesitação no filho e sentiu o desconforto se intensificar. O instinto maternal a alertava de que havia algo mais ali, algo que Tao não estava compartilhando completamente. Ela passou os olhos de Tao para Cheng, buscando apoio para mudar a direção da conversa.

—    Wang, você deveria tirar o dia para descansar um pouco mais — ela sugeriu, sua voz suave e cuidadosa. — Eu vou preparar um pouco de chá para você. Pode ajudar a relaxar sua mente. O festival da primavera está se aproximando, e seria bom você aproveitar um tempo para se recompor antes de tudo começar a ficar agitado.

Cheng, percebendo a tentativa de Mei de aliviar a tensão, deu um leve aceno de aprovação.
 
—    Sim, isso é uma boa ideia. O festival sempre traz uma energia nova para a vila.

Acho que isso pode ser exatamente o que você precisa.

Tao forçou um sorriso, agradecido pela tentativa de seus pais em acalmá-lo. Mas, por dentro, ele sabia que nada disso aliviaria o peso que sentia. Aquelas visões – ou o que ele acreditava serem visões – não iriam simplesmente desaparecer. E por mais que quisesse acreditar nas palavras reconfortantes de Cheng, uma parte de Tao não conseguia afastar a sensação de que algo sombrio estava prestes a acontecer.

Mei voltou à cozinha para preparar o chá, mas seus olhos constantemente se voltavam para Wang.

Ela sabia que seu filho estava escondendo algo, e o silêncio dele sobre o assunto falava mais do que qualquer palavra poderia. Ela anotou mentalmente que precisaria ter uma conversa mais profunda com ele mais tarde, talvez longe da presença de Cheng, onde Tao pudesse se sentir mais à vontade para falar.

Enquanto isso, Tao manteve-se em silêncio, lutando contra o impulso de dizer a verdade. Ele olhou para seu pai, que ainda tentava passar uma sensação de segurança, e sentiu uma mistura de gratidão e frustração. Cheng queria proteger sua família, mas Tao sabia que havia coisas que ele próprio precisava enfrentar. Coisas que ele não poderia compartilhar sem causar mais medo.

—    Você tem treinado bastante, Tao? — Cheng perguntou, tentando desviar o foco para algo mais leve. — Manter o corpo e a mente ativos ajuda a lidar com o estresse. Talvez devêssemos treinar juntos mais tarde, o que acha?

—    Talvez — Tao respondeu, mas seu tom deixava claro que ele não estava realmente comprometido com a ideia. Sua mente ainda estava presa nas imagens do sonho – as chamas, as sombras, a sensação de impotência.

O café da manhã prosseguiu, mas a atmosfera na sala parecia pesada. O silêncio que Tao escolheu manter era, de certa forma, mais revelador do que qualquer palavra que ele pudesse ter dito. Mei e

Cheng continuaram conversando entre si, falando sobre os preparativos para o festival e os pequenos detalhes do dia a dia, mas ambos sabiam que algo mais sério estava se desenrolando nas profundezas da mente de Tao.

Finalmente, quando o chá estava pronto, Mei serviu uma xícara para Tao e sentou-se novamente à mesa, observando-o com um olhar compreensivo.

—    Vai ficar tudo bem, meu filho — ela disse suavemente, enquanto entregava a xícara a ele. — Se precisar falar sobre qualquer coisa... estamos aqui.

Tao pegou a xícara, o calor do chá subindo para seu rosto. Ele olhou para sua mãe e sentiu uma onda de emoção passar por ele. A segurança que ela transmitia, o apoio silencioso de seu pai... ele sabia que podia confiar neles, mas, ao mesmo tempo, sentia que essa batalha era algo que precisava enfrentar sozinho.

—    Obrigado, mãe — ele murmurou, tomando um gole do chá. Mesmo que a inquietação não desaparecesse, o gesto caloroso de Mei lhe deu um breve momento de paz.

O dia ainda estava apenas começando, e Tao sabia que havia muitos desafios à frente. Ele não podia ignorar as visões, não podia ignorar o que sentia que estava por vir. Mas, por ora, ele optou por permanecer em silêncio, carregando o fardo sozinho – pelo menos até estar pronto para compartilhar a verdade com aqueles que mais amava.

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