Fio-de-luz Fio de luz – O Golpe Final
Ele estava sentado em seu escritório, olhando todo o planejamento feito nos últimos meses. Ter sua esposa como aliada acelerara os planos — ele tinha subestimado a malícia dela. Sorriu ao lembrar da peça-chave que ela havia sugerido; a ideia fora tão genial que, na hora, sentira tesão e precisou fazer amor com ela ali mesmo. Sorriu novamente com a lembrança.
Como chamada por seus pensamentos, ela apareceu na porta — linda como sempre — trazendo um pacote nas mãos.
— É ele? — perguntou.
— Sim, chegou hoje.
Ela colocou o pacote sobre a mesa e o abriu. Era um diário antigo, capa envelhecida e folhas amareladas — a peça-chave, o golpe final. O segurou como se fosse o maior dos tesouros.
— Acho que já podemos seguir com o próximo passo. Nossa agente já está em posição.
— Sim. Pode dar a ordem para ela iniciar.
Semanas se passaram.
Ela olhava, incrédula, para os papéis à sua frente.
— Como assim? Como toda uma remessa de diamantes para lapidação sumiu?
Seu secretário não tinha resposta.
— Esses e-mails… — ela encarou a tela do notebook — como vamos responder? As empresas parceiras aguardam a remessa! Elas já pagaram o lote e agora pedem reembolso! — soltou um palavrão nada elegante.
— Não é só isso, senhora.
Ela ergueu o olhar e fitou o rapaz, que parecia desconfortável.
— O que mais?
— A contabilidade encontrou lacunas nas contas da empresa.
— Lacunas? — ela sabia do que se tratava, mas não queria acreditar.
O rapaz ajeitou a gravata.
— Uma grande quantia foi desviada para uma conta fantasma.
Ela apertou a ponte do nariz e respirou fundo.
— Como uma grande quantidade de dinheiro é desviada e ninguém percebe? — murmurou, sem calma.
— Em pequenos desvios, quase imperceptíveis.
Andou de um lado a outro pelo escritório que um dia fora do marido. O som de notificação do notebook soou; sabia que não era bom.
— O que é?!
— O corpo diretivo quer reunião no final da semana, com os sócios — ele fez uma pausa — o tom do e-mail não é dos mais educados, senhora.
Ela socou a parede, coçou a cabeça e disse:
— Confirme o e-mail… e saia da minha frente.
O rapaz assentiu e a porta bateu.
Não era possível — tudo aquilo junto. Havia a pressão da mídia sobre sua competência, vazamentos de escândalos pessoais que derrubaram as ações. Contivera o conselho uma vez; faria de novo. Abriu a janela. Precisava de ar. Contrataria investigação particular e uma nova equipe de RP.
Sentou-se. Outra notificação no celular: uma mensagem do novo sócio, convidando-a para um café em seu escritório. Mantiveram apenas trocas polidas após o furto do anel — e-mails frios, sem intimidade. Um café? Pensou um instante e confirmou o encontro.
O dia do encontro chegou.
Ela respondera ao convite facilmente — talvez acreditasse que ele quisesse voltar a algo mais. Quando a secretária anunciou a chegada, ele veio recebê-la na porta, afável. Ela entrou e deu-lhe um beijo no rosto, insinuando algo a mais. Ele sorriu e a convidou a sentar; pediu que servissem café e algo apetitoso.
— Faz tempo que não me convida pra um café assim. Achei que tivesse perdido o interesse. — disse ela.
— É claro que não, minha cara. Tenho total interesse em nossos negócios. — Ele sorriu.
— Então é só negócios? — Ela tentou ser sedutora.
— Creio que sim. Desculpe se transpareci outra coisa.
A copeira trouxe xícaras de café, biscoitos e pequenos bolos. Esperaram em silêncio.
— Queria falar sobre o andamento da companhia — ele começou. — Fiz um investimento alto pra ser sócio, mas não vejo o retorno prometido.
Ela suspirou e tomou um gole de café.
— Estamos com situações atípicas que causaram um abalo nas finanças, mas é remediável. Você terá o lucro prometido, não há com o que se preocupar. — disse, com calma controlada.
— Não vejo assim. — Ele inclinou-se, como confidenciando. — Você perdeu um lote de milhões de dólares; parceiros pedem reembolso e procuram fornecedores alternativos. Além disso, meus investigadores encontraram desvios para paraísos fiscais. Juntando tudo isso e os escândalos, só posso concluir que pretende dar o golpe e sumir com o dinheiro — talvez até com os diamantes.
— Como sabe disso? — ela perguntou, engolindo em seco.
— Eu me mantenho informado sobre meus investimentos — respondeu ele. — Não só antes, mas sempre. Se for preciso, retiro o dinheiro.
Ela sentiu suor. Estava encurralada. Levantou-se.
— Vou me retirar. Tenho até o fim da semana para montar um plano de ação. Não adianta me intimidar. — empinou o nariz.
— Creio que não terá essa chance. — Ele recostou-se. — Eu e o conselho já conversamos. Todas as chances estão contra você.
— Você não pode convocar o conselho! Você não é sócio majoritário! Não tem poderes sobre o conselho!— ela explodiu.
Ele sorriu, frio.
— Eu tenho. Comprei participações suficientes. Alguns sócios trocaram de lado. E os que restaram concordam comigo.
Ela caiu na cadeira, tonta.
— Mas — ele continuou — tenho uma proposta.
— Qual?
— Você me transfere suas ações. Você tem 56%. Não quero tudo — quero metade. Com isso, chego a 68% e assumo o controle. Em troca, eu corrijo a situação, limpo seu nome e garanto sua saída com o mínimo dano.
Ela riu, incrédula.
— Que audácia! Não vou ceder metade da minha empresa por uma crise passageira. Serei uma fênix dos diamantes.
Ele puxou uma pasta e a colocou à frente dela.
— Conhece a história do seu marido com meu pai, na África do Sul? — disse, com raiva contida. — Seu esposo ascendeu graças ao conhecimento e ao investimento do meu pai. Mas, por corrupção e suborno, ele tomou o que nos pertencia.
Ela não conseguia tirar os olhos dele.
— Por muito pouco não passei fome, mas vi minha mãe definhar e morrer aos poucos todos dias, tentando reaver o que era ela por direito para que pudessemos apenas ter uma vida descente. Mas o velho jogou bem, moveu todas as peças para que ela enfraquecesse e parecesse apenas uma viúva gananciosa.
Ele circulou pela mesa, sem deixar de fita-la.
— Esses papéis provam tudo. O acidente, a morte de meu pai, os golpes.
— Impossível. — ela tentou rir. — Documentos são contestáveis.
— Seu marido escrevia um diário. — Ele levantou o livro envelhecido. — Encontramos num cofre. Tudo está lá.
Ela refletiu. Era o fim. Xeque-mate.
Se o que estava naquele diário viesse à tona — somado aos escândalos que ainda escondia —, seria o fim da companhia. E dela também.
Ela tentou pegar o diário, mas ele o puxou para si.
— O diário pode ser totalmente seu. Não fiz nenhuma cópia. Quando o tiver em mãos, poderá fazer o que quiser — até queimá-lo. Mas, antes, precisa assinar esses documentos.
Ele empurrou um contrato em sua direção.
— Neles, você me transfere cinquenta por cento das ações e o controle total da empresa.
Respirou fundo, pegou a caneta e assinou.
— Você venceu — disse, com um sorriso frio. — Agora, me dê os documentos.
Ele entregou o dossiê e o diário, sem resistência.
Ela virou-se para sair, mas algo a incomodou. Parou. Abriu o diário.
“Por Deus…” pensou, antes de começar a rir.
— Está vazio. O diário é falso.
Ele sorriu. — Sim.
— O que mais era falso? — perguntou . — Onde está a remessa dos diamantes?
— Está onde deveria estar — uma voz feminina ecoou pela sala, respondendo calmamente. — Chegando aos parceiros comerciais.
— E o dinheiro desviado?
— Era um relatório falso — ela disse — Assim como a reunião do conselho no fim da semana.
— Como? — ela arfou. — Como conseguiram enganar toda a minha equipe, hackear meus e-mails?
— Uma nova funcionária entrou na sua equipe administrativa — disse a esposa. — Era minha secretária. Aprendeu sua rotina, invadiu seu sistema e criou transações fantasmas.
Silêncio. A mulher respirou fundo, ergueu o queixo.
— Vocês venceram. Ótimo. Aproveitem o gostinho da vitória.
Colocou os óculos escuros, jogou o cabelo para trás e saiu sem olhar para trás.
Por um instante, apenas o som de seus passos ecoou no corredor.
Depois, o silêncio — e o fim do jogo.
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