A Mulher da Capa Preta Epílogo
O Fardo da Maldição
A noite estava mais fria do que o habitual, o vento assobiando pela praça deserta. A pequena área, normalmente cheia de vida, parecia uma terra esquecida sob a luz pálida dos postes de rua. Arthur — agora um vulto encapuzado na escuridão — observava as poucas pessoas que passavam. Havia um peso constante ao seu redor, como se a própria noite estivesse impregnada de sua presença. O frio que emanava dele era a manifestação de uma alma condenada, presa em um ciclo interminável de sofrimento e perda.
Ele entendia o fardo que carregava, o mesmo que havia consumido Carol. Agora, era ele quem vagava pelas ruas, atraído por aqueles que ansiavam por algo mais. Aqueles que, assim como ele, buscavam romper a monotonia de suas vidas solitárias.
E, naquela noite, ele sentiu a presença dela.
Uma jovem mulher caminhava rapidamente pela calçada. Usava um uniforme de enfermeira e carregava uma pequena bolsa atravessada no corpo. O rosto pálido e os olhos fundos denunciavam o cansaço extremo. Arthur não precisou de mais do que um instante para entender: uma alma exausta, saindo de um turno de emergência. Devia ter perdido a condução e agora tentava chegar a outro ponto de ônibus, rezando para não ser notada.
“Quem me trouxe até você, Julia?”, ele pensou. “Por que é você que o destino escolheu?”
Arthur manteve-se na escuridão, envolto em um manto de trevas. Sentia-se compelido a seguir adiante, a repetir o ciclo. Mas, antes que pudesse decidir o que fazer, algo mudou.
Dois homens emergiram das sombras atrás dela. Julia não os viu, mas Arthur notou como os passos se tornaram predatórios, os sussurros entre eles prenunciando suas intenções. Ele sentiu uma onda de raiva.
Por um instante, a escuridão ao seu redor pareceu se condensar. A capa se agitou com as asas de um corvo prestes a atacar, e os olhos dele brilharam sob o capuz. Eles a seguiriam, tirariam dela o pouco de paz que ainda restava. E ele não permitiria que isso acontecesse.
Arthur deslizou para fora da escuridão, silencioso como um fantasma.
— Ei, moça! — um dos homens chamou, a voz baixa e cheia de ameaça.
Julia parou, o corpo inteiro tenso. Os dois se aproximavam rápido demais. Ela estava prestes a correr, mas eles eram mais rápidos.
Foi quando Arthur se moveu.
Um vento gélido explodiu ao redor deles, fazendo as folhas secas se levantarem no ar. Os homens pararam, os olhos arregalados quando um vulto alto e encapuzado aparece ao lado de Julia. A capa negra flutuava ao redor de Arthur, e os olhos dele — brilhando com uma luz antinatural — fixaram-se nos intrusos.
— Saiam daqui — Arthur murmurou.
Os dois recuaram instintivamente, os rostos pálidos.
— Quem... quem é você? — um deles gaguejou, tropeçando para trás.
Arthur deu um passo à frente, e a capa se esticou como uma fera ameaçadora. As sombras se moveram, e, por um segundo, algo monstruoso surgiu por trás dele.
— Eu disse... saiam.
Os homens mal precisaram de mais um aviso. Com um grito sufocado, viraram-se e dispararam na direção oposta, correndo como se o próprio demônio os estivesse perseguindo.
Julia ficou imóvel, os olhos arregalados. O peito subia e descia rapidamente, mas não havia apenas medo em seu olhar. Havia... curiosidade. Fascínio.
— Você... — ela começou, a voz um sussurro. — Quem é você?
Arthur a observou por um momento. Ali estava o início de tudo. Mas desta vez, ele se forçou a sorrir.
— Você não deveria estar andando sozinha por aqui. Posso acompanhá-la até um lugar seguro.
Julia hesitou, mas assentiu lentamente, ainda tentando processar o que acabara de acontecer.
— Eu... obrigada.
Arthur apenas acenou e começou a caminhar ao lado dela. Sabia que deveria afastar-se, mas, enquanto os dois avançavam, ele sentiu a capa ao redor dele apertar, como uma corrente invisível.
O ciclo estava começando novamente.
E Arthur sabia que, assim como Carol antes dele, seria apenas uma questão de tempo até que ele também encontrasse alguém para substituí-lo.
Por enquanto, a única coisa que podia fazer era guiar Julia. E talvez, só talvez, encontrar um modo de finalmente quebrar a maldição.
O ciclo continuava. Mas Arthur ainda tinha esperança.
Por quanto tempo? Ele não sabia.
Mas ele tentaria.
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