A Mulher da Capa Preta Capítulo 2
O Mistério Revelado
Arthur passou o dia seguinte em um estado de torpor, incapaz de se concentrar em qualquer tarefa. Cada documento que ele tentava revisar no escritório parecia se desfazer em letras e números sem sentido. Ele não parava de pensar no que acontecera na noite anterior: o rosto da mulher, o frio em seus dedos, e, acima de tudo, a maneira como ela sussurrou seu nome.
Quando o relógio finalmente marcou o fim do expediente, ele pegou o papel que guardara no bolso e leu o endereço que ela havia dado. "Rua das Flores, número 27". Ele conhecia o bairro. Era uma área antiga da cidade, um lugar que ele evitava por estar próximo ao cemitério. Algo dentro dele queria ignorar o chamado, esquecer o que havia acontecido e seguir com a vida, mas a curiosidade — e algo mais profundo e inexplicável — o puxava para lá.
O caminho até o local foi estranho. As ruas que ele costumava ver cheias e vibrantes pareciam desertas. As árvores, cujas folhas normalmente farfalhavam ao vento, estavam imóveis, como se até a natureza estivesse prendendo a respiração. Ao chegar ao número 27, Arthur encontrou uma casa antiga, de muros altos e portão enferrujado. O lugar parecia abandonado. A tinta descascada nas paredes externas e o mato crescendo entre as rachaduras no chão davam a impressão de que ninguém morava ali há muito tempo.
Arthur hesitou por um momento, mas então forçou a maçaneta do portão, que rangeu dolorosamente, ecoando na quietude da rua vazia. Quando finalmente entrou no pequeno jardim em frente à casa, uma sensação de desconforto o dominou. Parecia que algo o observava das janelas escuras e quebradas. Respirando fundo, ele subiu os degraus da entrada e bateu na porta.
Para sua surpresa, alguém atendeu.
Uma senhora idosa, de costas curvadas e olhar desconfiado, abriu a porta apenas o suficiente para que ele pudesse vê-la.
— O que você quer aqui? — ela perguntou em um tom seco, quase hostil.
— Eu... — Arthur começou, hesitante. — Eu vim procurar uma pessoa. Eu... eu estava com ela ontem à noite. Carol?
O rosto da mulher mudou instantaneamente. A hostilidade desapareceu, substituída por um olhar que misturava choque e dor.
— Carol? — Ela sussurrou, como se fosse um nome que não ouvira em muito tempo. — Mas... isso é impossível.
Arthur sentiu um calafrio correr por sua espinha.
— Ela me deu este endereço — insistiu, mostrando o pedaço de papel. — Pediu que eu a encontrasse aqui.
A mulher balançou a cabeça lentamente, um tremor perceptível em suas mãos.
— Carol morreu há mais de trinta anos, rapaz. — A voz dela era pesada de tristeza. — Ela era minha filha... morreu jovem, aos vinte e dois, de tuberculose. Você... deve estar enganado.
Arthur ficou mudo por um instante. Tudo parecia rodar. Ele queria dizer que a mulher estava errada, mas a realidade começou a se fragmentar em sua mente. Carol... morta?
— Isso é uma piada? — perguntou, sem saber se falava para ela ou para si mesmo. — Eu dancei com ela. Levei-a para o cemitério... ela estava... estava...
— Ela estava viva? — a senhora completou, a voz carregada de ironia amarga. — É o que todos dizem. Mas não... não era ela.
Antes que ele pudesse responder, a senhora abriu a porta um pouco mais, revelando um corredor escuro e empoeirado atrás de si. Os olhos dela estavam fixos nos dele, intensos e aflitos.
— Venha, você precisa ver uma coisa.
Arthur hesitou, mas algo no tom da mulher o fez avançar, passando pela soleira da porta e seguindo-a pelo corredor. O lugar cheirava a umidade e mofo, como se tivesse sido lacrado e esquecido por décadas. Paredes desbotadas e quadros antigos mostravam uma família que parecia ter desaparecido, engolida pelo tempo.
Eles pararam diante de uma porta fechada no final do corredor.
— Eu sempre soube que ela voltava... — a senhora murmurou, sua voz quase inaudível. — Mas nunca imaginei que alguém... alguém a veria novamente...
Arthur mal teve tempo de processar suas palavras antes que ela empurrasse a porta e acendesse a luz.
O quarto era pequeno e apertado, as paredes cobertas de retratos antigos. No centro, uma figura dominava o ambiente: uma grande fotografia em preto e branco de uma jovem de cabelos longos e encaracolados, envolta em um vestido preto que parecia brilhar sob a luz tênue. Os olhos eram os mesmos — profundos e enigmáticos, exatamente como os que Arthur tinha visto na noite anterior.
— Carol... — ele sussurrou, estupefato.
A senhora assentiu, os olhos marejados.
— Ela... ela nunca pôde descansar em paz. Desde que morreu... tem vagado por aí. Aparece para homens como você, os atraindo para perto do cemitério. Dizem que é para... completar a última dança que nunca teve em vida.
Arthur recuou um passo. O quarto parecia se fechar ao seu redor. As sombras se alongavam nas paredes, distorcendo a imagem de Carol até que ela parecesse observá-lo de dentro do retrato.
— Isso não faz sentido — ele murmurou, a mente em um turbilhão. — Eu a toquei. Eu... ela estava viva!
A senhora suspirou e apontou para uma prateleira ao lado da fotografia. Arthur seguiu o olhar dela e viu algo que fez seu coração parar.
Sua capa. A mesma capa preta que ele havia usado para cobrir Carol na chuva, dobrada e cuidadosamente posicionada como uma oferenda diante do retrato.
— Eu já encontrei isso no túmulo dela várias vezes — a senhora disse, a voz baixa e quase reverente. — Sempre pensei que era alguém tentando honrar sua memória... mas agora, vejo que... você realmente esteve com ela.
Arthur sentiu o pânico crescer em seu peito. Ele não conseguia respirar, o quarto parecia girar ao seu redor. Como poderia ser? Como ele poderia ter dançado com uma mulher morta?
— Saia daqui — a senhora sussurrou de repente, os olhos dela se arregalando com pavor. — Saia agora, antes que ela volte. Ela vai te levar... ela leva todos eles!
Arthur tropeçou para trás, o olhar preso nos olhos da imagem de Carol. Por um segundo, ele quase jurou que ela piscou. Girou nos calcanhares e saiu correndo, as batidas de seu coração ensurdecendo tudo ao seu redor.
Ele não parou até estar do lado de fora, respirando o ar frio e úmido da noite. A casa parecia observá-lo, como um animal selvagem esperando pacientemente. E, mesmo enquanto se afastava, ele sentia que algo o seguia, como se os olhos no retrato ainda estivessem presos nele.
No entanto, em vez de fugir, ele olhou para o papel amassado em sua mão e para a capa preta dobrada em sua mente. O que era aquilo? Um aviso? Um convite?
De uma coisa ele sabia: não importava quão louco aquilo fosse, ele precisava voltar ao cemitério. Precisava ver Carol de novo.
Ela o tinha encontrado.
Agora, ele precisava encontrá-la de novo.
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