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A Mulher da Capa Preta

Capítulos 5

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A Mulher da Capa Preta Capítulo 1

O Encontro no Baile

A noite de junho estava mais quente que o habitual em Maceió. As ruas no bairro do Prado estavam enfeitadas com bandeirinhas coloridas e balões pendurados entre os postes, contrastando com o céu negro e carregado. As luzes amarelas das lamparinas nas barracas de comidas e bebidas desenhavam sombras trêmulas no chão de paralelepípedo. Havia música no ar: o som do forró saía de cada esquina, envolto no aroma de milho assado e outras comidas típicas.

Arthur Melo estava no meio da confusão, suando desconfortavelmente em sua camisa de linho amarrotada. Ele nunca gostou de festas, muito menos das tradicionais, onde a multidão se aglomerava em rodas de dança, e as risadas estridentes ecoavam pela noite. Mas ali estava ele, parado e deslocado, graças ao seu velho amigo, Rodrigo.

— Relaxa, cara! Vai ser divertido — Rodrigo havia dito mais cedo, forçando Arthur a sair de casa e prometendo que “não o deixaria sozinho”. Agora, em menos de meia hora, Rodrigo já tinha desaparecido no meio da multidão, provavelmente atrás de alguma garota vestida de caipira. Arthur bufou, ajeitando os óculos enquanto olhava ao redor. Estava só. Como sempre.

Ele começou a andar sem rumo, tentando se afastar do centro tumultuado da festa, desviando de casais que dançavam e pessoas em volta das barraquinhas de doces típicos. Era estranho como ele parecia ser invisível ali, como se fosse um vulto perdido no meio de cores e risos. As vozes eram abafadas, a música parecia distante, e ele sentia o incômodo crescente de ser um estranho em seu próprio bairro.

Foi quando a viu.

Ela estava parada, quase imóvel, encostada na sombra de uma árvore antiga, observando as pessoas com um olhar distante. A luz tremeluzente das fogueiras e lamparinas apenas tocava seu rosto, revelando uma beleza quase etérea. Trajava um vestido preto, longo e simples, que a fazia se destacar como uma silhueta entre os outros trajes coloridos e festivos.

Mas era a capa escura que envolvia seus ombros e caía até o chão que realmente chamou a atenção de Arthur — um tecido escuro como a noite, com bordas que pareciam ondular e se misturar com as sombras ao seu redor.

Ele parou, intrigado. Quem iria para uma festa de São João vestido assim? Algo dentro dele queria virar as costas, mas uma força desconhecida o empurrou para frente, como se ela emanasse um campo de atração invisível. Com passos hesitantes, ele se aproximou, e a música e o barulho do ambiente pareciam diminuir a cada passo, como se ele estivesse atravessando uma membrana que o isolava do resto do mundo.

Quando estava perto o bastante, ele tentou falar, mas as palavras se perderam na garganta. Então, ela levantou o olhar para ele — olhos grandes e escuros, profundos como poços que pareciam absorver a luz ao redor. Ela sorriu, um sorriso pequeno e reservado, como se já soubesse que ele se aproximaria.

— Você também se sente deslocado aqui? — A voz dela era suave, quase um sussurro, mas ele a ouviu claramente, como se ela tivesse falado diretamente em sua mente.

Arthur piscou, surpreso pela pergunta e ainda mais surpreso pela naturalidade com que ela falava com ele. Todos os alarmes em sua cabeça gritavam para ele sair, para se afastar, mas, por algum motivo, ele apenas balançou a cabeça.

— Sim — foi tudo o que conseguiu responder.

Ela se afastou um pouco da árvore, dando um passo em direção a ele, e Arthur sentiu o cheiro levemente doce e mofado de rosas mortas. Mais perto agora, ele percebeu como a pele dela parecia pálida sob a luz amarela e como havia algo na maneira como se movia, algo que não combinava com a alegria vibrante da festa ao redor.

— Dançaria comigo? — ela perguntou, estendendo uma mão delicada, envolta pela manga da capa.

Arthur hesitou. Ele nunca foi bom em dançar, e menos ainda em interagir com mulheres. Mas, antes que pudesse pensar melhor, seus dedos já estavam entrelaçados nos dela, frios como o mármore. Ela o guiou suavemente para longe da multidão principal, onde o som da música soava abafado e distante.

A dança começou devagar, como uma marcha fúnebre, e ele sentiu um arrepio subir por sua espinha. 

Cada movimento dela era gracioso, mas havia algo de inquietante em sua postura, algo rígido e tenso que ele não conseguia entender. Ela girou ao seu redor, puxando-o de volta e envolvendo-o em um abraço fechado. O toque gélido dela o fez estremecer, mas Arthur se sentia inexplicavelmente atraído, como uma mariposa atraída pela chama.

— Você tem um nome? — ele perguntou em um tom baixo, quase inaudível.
O sorriso dela se alargou, mas os olhos continuaram fixos nos dele, penetrantes e insondáveis.

— Pode me chamar de Carol — ela sussurrou, e Arthur sentiu como se tivesse revelado um segredo antigo, algo que nunca deveria ter sido pronunciado.

Os minutos se arrastaram. A sensação de estar preso em um pesadelo, onde a música e as risadas ao redor eram apenas ecos distantes, cresceu em sua mente. E então, como se despertasse de um transe, ele percebeu que estavam completamente sozinhos. O local que antes parecia próximo das barracas e das pessoas agora se estendia em uma penumbra vazia. Apenas ele e ela, girando devagar em uma dança que parecia não ter fim.

Arthur parou de se mover, ofegante.

— Acho que é melhor eu… — começou a dizer, mas ela o silenciou com um toque nos lábios. Seu dedo estava gelado, e ele sentiu o sabor metálico de sangue.

— Me leve para casa, Arthur — ela murmurou, e os olhos dela o perfuraram, intensos. — A noite está tão fria, e eu não gostaria de ir sozinha.

Como ela sabia seu nome? Ele tentou processar aquilo, mas antes que pudesse questioná-la, ela o puxou suavemente para fora dali, guiando-o pela mão como se ele fosse uma criança perdida.

A chuva começou a cair, fina e fria, enquanto eles atravessavam as ruas estreitas e desertas, agora distantes da música e das fogueiras. Arthur se perguntou para onde estavam indo, mas não se atreveu a perguntar. Ela andava com passos leves, quase flutuando sobre o chão molhado, e ele mal conseguia acompanhar.

Quando pararam, estavam diante dos portões de ferro forjado do cemitério local.

— Pode me deixar aqui — ela disse, e a melodia em sua voz fez com que o medo desaparecesse por um momento.

Arthur a encarou, confuso. Ela o olhou uma última vez, e ele viu algo brilhar em seus olhos, um reflexo de melancolia e de segredos que ele nunca entenderia.

— Mas... onde fica a sua casa?

Ela sorriu, um sorriso triste e suave.

— Anote isso — ela sussurrou, dando-lhe um endereço que ele mal registrou, seu coração batendo forte.

E então, sem outro som, sem outra palavra, ela se virou e desapareceu entre as lápides, como um fantasma que retornava ao lugar de onde nunca deveria ter saído.

Arthur permaneceu ali, imóvel, com a chuva molhando seu rosto, e o peso da capa que ele ainda segurava nos ombros. E, pela primeira vez em anos, sentiu que havia encontrado algo... ou alguém... que ele não conseguia explicar.

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