A Mulher da Capa Preta Capítulo 6
Libertação
Rodrigo pensou que estivesse ajudando. Arrastou Arthur para fora do cemitério e o levou de volta ao apartamento, onde passou a noite inteira vigiando o amigo, garantindo que ele não escapasse e não se machucasse. Mas, à medida que as horas passavam e Arthur apenas murmurava o nome de Carol, encarando o teto com olhos vazios, Rodrigo percebeu que talvez a ajuda tivesse chegado tarde demais.
Os dias seguintes foram ainda piores. Arthur mal comia, recusava-se a falar e passava o tempo encarando o nada, como se sua alma tivesse sido arrancada do corpo. Rodrigo tentou de tudo: conversou com médicos, procurou ajuda de conhecidos, mas nada parecia funcionar. Era como se algo dentro de Arthur tivesse quebrado para sempre.
Até que, uma noite, ele desapareceu.
Rodrigo encontrou o apartamento vazio e um bilhete rabiscado com pressa deixado em cima da mesa da cozinha:
“Eu entendi. Eu vou encontrá-la. Não me procure.”
O cemitério estava envolto em um silêncio sepulcral, as sombras dançando entre as lápides enquanto a lua cheia pairava no céu. Arthur estava de pé no centro do lugar, os olhos fixos na lápide de Carol. Ele sentia o peso da noite pressionando-o, a presença dela em cada respiração, em cada batida do coração.
Ele sabia o que tinha que fazer.
A presença de Rodrigo havia atrasado tudo, mas agora ele estava sozinho. Livre. E ela estava esperando por ele.
Arthur se ajoelhou diante da lápide, o peito arfando. As palavras gravadas na pedra pareciam brilhar à luz da lua:
“Que nunca mais a terra prenda seu espírito inquieto.”
Ele estendeu a mão e, lentamente, traçou os dedos pelas letras, sentindo o frio da pedra penetrar em seus ossos.
— Eu aceito — sussurrou, os olhos fixos no nome dela. — Eu aceito.
Por um instante, nada aconteceu. O silêncio se estendeu, denso e opressor. E então, o ar ao redor começou a mudar.
O vento se ergueu, rodopiando em torno de Arthur, levantando folhas e poeira em um redemoinho furioso. Ele sentiu o frio se aprofundar, atingindo seu coração. Mas não existia medo. Não havia hesitação. Apenas a certeza de que, finalmente, ele estava onde deveria estar.
— Arthur... — a voz dela ecoou ao seu redor, suave e sedutora.
Ele levantou a cabeça e a viu.
Carol surgiu entre as sombras, a silhueta envolta em escuridão. Os olhos dela brilharam, hipnóticos, e o sorriso que lhe lançou era um misto de alívio e tristeza.
— Você veio por mim — ela sussurrou, a voz cheia de emoção.
— Eu vim para libertá-la — ele respondeu, a voz firme.
Ela se aproximou, a capa preta fluindo ao seu redor como um manto de trevas. Quando parou diante dele, estendeu a mão e tocou seu rosto. O frio era intenso, cortante, mas Arthur não recuou. Pelo contrário, inclinou-se para o toque, fechando os olhos.
— Eu sempre soube que você era diferente — ela murmurou. — Que, entre todos, você seria aquele capaz de me libertar.
— Como? — ele perguntou, a voz trêmula.
Ela sorriu, e os olhos dela — os olhos que ele tanto amava, profundos como um abismo — se encheram de uma luz intensa e aterrorizante.
— Você sabe o que fazer, Arthur. Você sabe o que eu preciso.
Arthur sentiu uma pontada de pavor. Mas então, como se algo além de sua compreensão o guiasse, ele estendeu a mão e pegou a capa que pendia dos ombros dela. A peça de tecido negro parecia pulsar sob seus dedos, e, ao puxá-la, sentiu uma onda de energia passar por ele.
— Para onde vai? — ele murmurou, vendo a silhueta de Carol começar a desvanecer.
— Para onde sempre deveria ter ido — ela respondeu, os lábios se movendo em um sorriso triste. — Para o descanso. Para a liberdade. Você me libertou, Arthur. Mas a maldição... a maldição precisa de um novo portador.
Ele piscou, confuso, e então a verdade o atingiu como um golpe físico.
— O quê? — ele arfou, os olhos arregalados. — O que você quer dizer?
— Alguém deve carregar o fardo, Arthur. Alguém deve usar a capa.
Ela se inclinou para ele, os olhos dela preenchendo todo o seu campo de visão. Ele tentou se afastar, mas os pés estavam presos ao chão, o corpo imobilizado.
— Não... — ele murmurou, o pânico se infiltrando em cada palavra. — Não! Você prometeu! Você disse que estaríamos juntos!
Carol apenas o observou, uma sombra de tristeza passando por seu rosto.
— E estaremos, Arthur. Mas de uma maneira diferente.
Ela ergueu a mão, e, com um movimento suave, colocou a capa em seus ombros.
Naquele instante, tudo mudou.
Arthur sentiu uma dor intensa atravessar seu corpo. Era como se cada célula estivesse sendo rasgada e reconstruída, como se uma força ancestral estivesse tomando posse de sua carne e de seu espírito. Ele tentou gritar, mas nenhum som saiu. Tentou se mover, mas estava preso. Apenas a dor, a angústia e a presença dela o preenchendo.
E então, quando pensou que não poderia mais suportar, o sofrimento cessou. O silêncio caiu, pesado e sufocante.
Arthur abriu os olhos.
Estava sozinho. O cemitério vazio e escuro. E, em algum lugar, ele sentia... a ausência dela.
— Carol? — chamou, a voz ecoando no vento.
Nada. Ela se foi.
Ele olhou para baixo e viu a capa envolta ao redor de seu corpo, o tecido negro brilhando à luz da lua. Sentiu-se diferente. Mais pesado. Mais... escuro.
Foi quando percebeu os olhos.
No reflexo da lápide, Arthur viu os próprios olhos. Não eram mais os mesmos. Haviam mudado — um brilho estranho e sobrenatural, como dois pontos de luz em meio à escuridão.
— Não... — ele sussurrou, recuando. — Não, não...
Mas já era tarde demais. Ele podia sentir. A maldição o havia tomado. Ele era o novo portador. Ele era o novo “Homem da Capa Preta”.
E Carol? Ela estava livre. Finalmente livre.
Arthur caiu de joelhos, as lágrimas escorrendo pelo rosto. A maldição havia sido passada. O ciclo continuará. Quando se levantou, um vazio o preencheu. Sentiu-se diferente. A presença dela desapareceu, substituída por uma sombra pesada e fria. E, naquele momento, ele entendeu.
Era ele, agora. Era ele quem vagava pelo cemitério, esperando pelo próximo. Ele se tornaria o símbolo de medo e morte, uma figura trágica que buscaria alguém para substituí-lo. E com os olhos cheios de uma luz que não era mais humana, Arthur desapareceu na escuridão da noite.
O ciclo havia sido renovado.
A “Mulher da Capa Preta” havia partido. Mas o “Homem da Capa Preta” havia nascido.
E ele estaria esperando. Sempre.
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