A Mulher da Capa Preta Capítulo 4
Visões e Vozes
Arthur acordou com a sensação de algo frio e pegajoso em sua testa. Ele estava caído no chão do pequeno apartamento, com as costas doloridas e os músculos rígidos. A última coisa de que se lembrava era ter desmaiado no cemitério, após a última dança com Carol. Como tinha voltado para casa, ele não fazia ideia.
Levantou-se lentamente, cada movimento uma luta contra a vertigem que parecia querer puxá-lo de volta ao chão. O lugar estava um caos: livros e papéis espalhados, o mural que ele montava rasgado em pedaços, e a capa preta jogada de qualquer jeito sobre a cadeira. Arthur esfregou o rosto, sentindo a dor de cabeça latejante enquanto tentava entender o que estava acontecendo.
Foi quando ouviu o som.
Um murmúrio baixo e contínuo, vindo de algum lugar atrás dele. Arthur se virou bruscamente, o coração disparando. As paredes do apartamento estavam vazias, e a única iluminação era a fraca luz do amanhecer que entrava pelas cortinas entreabertas.
Mas o som continuava — um sussurro suave, quase impossível de distinguir, como se alguém falasse de dentro das paredes.
Ele tentou focar, inclinado para frente, forçando os ouvidos. As palavras eram indistintas, mas estavam ali, enrolando-se como serpentes invisíveis ao redor de seus pensamentos. Então, lentamente, os sussurros começaram a se moldar em algo mais concreto.
Seu nome.
“Arthur... Arthur... venha...”
Ele recuou, tropeçando no tapete e quase caindo para trás. O medo escorregou pelo seu corpo, mas, ao mesmo tempo, um desejo intenso e destrutivo crescia em seu peito. Carol estava chamando por ele. De alguma forma, ela estava ali, perto, tão perto que ele podia sentir seu toque gélido em sua mente.
— Onde você está? — ele gritou, a voz rouca e desesperada. — O que você quer de mim?
O murmúrio cessou abruptamente, e o silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
Arthur permaneceu ali, de pé, a respiração ofegante e o corpo trêmulo. O apartamento parecia se fechar ao seu redor, as sombras se alongando e engolindo cada canto. Então, uma risada suave ecoou pela sala.
Virou-se na direção do som, o olhar varrendo o ambiente freneticamente. E, então, ele a viu.
Carol estava no espelho do corredor.
Seu reflexo era fraco e distorcido, como se ela estivesse debaixo d'água. Os olhos dela o encaravam com uma intensidade que fazia sua pele arder. Ela levantou a mão, e Arthur a viu traçar uma linha no espelho embaçado com a ponta do dedo. Lentamente, as palavras surgiram no vidro, formadas pela marca úmida deixada por ela.
“Volte para mim.”
Arthur se aproximou, quase colado ao espelho, e estendeu a mão, querendo tocá-la, querendo se certificar de que ela era real. Mas o vidro estava frio e vazio. Apenas seu próprio reflexo o observava, desarrumado e frenético, como um homem à beira do abismo.
— Eu não entendo — ele murmurou, a voz falhando. — Por que eu? Por que me escolheu?
Carol apenas o encarou, o sorriso se alargando.
Então, a imagem tremeu e se desfez, desaparecendo tão rapidamente quanto surgira. Arthur ficou parado, os dedos ainda tocando o vidro frio, o eco do sorriso dela queimando em sua mente.
A partir desse momento, as coisas começaram a desmoronar.
A voz era dela.
Arthur não conseguia mais distinguir o dia da noite. As horas se esticavam e se comprimiam de maneiras impossíveis. Ele não ia mais ao trabalho — havia dias que ele nem saía do apartamento, apenas vagava pelos cômodos, cada sombra parecendo esconder a presença dela. E, em cada espelho, em cada superfície refletiva, ele a via. Sempre observando. Sempre esperando.
Começou a ouvir sua voz à noite, sussurrando para ele dos cantos escuros, prometendo coisas que ele não entendia. Às vezes, ele a ouvia cantando — uma melodia suave e triste que parecia vir das profundezas do seu subconsciente. Outras vezes, ela apenas ria, um som leve e quase infantil que o deixava à beira da loucura.
Os dias passavam em um borrão. O pouco que ele comia não tinha gosto, e ele mal sentia o tempo se arrastar. As paredes do apartamento ainda davam a sensação de estarem se fechando ao seu redor, como se tentassem esmagá-lo. E, sempre, a visão da capa preta pendurada na cadeira, como um lembrete constante do que ele havia perdido... e do que ele desejava acima de tudo.
Foi numa dessas noites que ele finalmente decidiu. Ele precisava sair. Precisava confrontá-la.
A chuva caía intensa quando ele chegou ao cemitério novamente. O lugar estava envolto em uma neblina espessa, e as árvores se inclinavam sob o peso da tempestade. Mas ele não sentia medo. Apenas um estranho alívio ao ver os portões escancarados, como se o estivessem esperando.
Caminhou até o centro do cemitério, os pés cada vez mais encharcados a cada passo que dava. As lápides surgiam como sombras informes ao seu redor, e o vento assobiava entre as folhas, sussurrando palavras que ele não conseguia entender. Ele não sabia para onde estava indo, mas seus passos o guiavam com precisão.
E então, no meio do caos, ele a viu.
Carol estava lá, parada sob a luz fraca de um poste, a capa preta ondulando ao seu redor como uma segunda pele. Os olhos dela estavam cravados nos dele, e, por um segundo, Arthur sentiu que o tempo parava.
— Você veio — ela disse, a voz tão baixa que mal foi ouvida acima do bramido da chuva.
— Você não me deu escolha — ele respondeu, a voz ecoando com um desespero que ele nem sabia que tinha. — O que você quer de mim? Por que me torturar?
Ela inclinou a cabeça, os cabelos escuros grudados no rosto pálido. E então, estendeu a mão, convidativa.
— Eu nunca quis torturá-lo, Arthur. Só queria que me visse. Que estivesse comigo.
Ele deu um passo para trás, a mente girando.
— Mas você não é real — ele sussurrou, mais para si mesmo do que para ela. — Você está... morta.
Carol sorriu. Um sorriso triste e belo que quase partiu seu coração.
— O que é a morte, afinal? — ela murmurou, a voz se dissolvendo no vento. — Um lugar? Um estado? Eu existo onde você existe. E, enquanto você me buscar, eu estarei aqui.
Arthur sentiu uma onda de calor atravessar seu corpo, misturada com pânico e desejo. Ela era real. Mais real do que tudo ao seu redor. E ele sabia, naquele momento, que nunca poderia esquecê-la. Nunca poderia deixá-la.
Ela deu mais um passo, e ele sentiu o ar ao redor esfriar. As sombras se moviam, como se algo mais, algo profundo e antigo, se erguesse ao seu redor.
— Eu vou ficar com você, Arthur — ela sussurrou. — E você... você ficará comigo?
Ele olhou para ela, os olhos arregalados e a respiração entrecortada.
E, contra toda razão, contra toda sanidade, ele deu um passo em direção a ela.
— Sim — ele murmurou, a voz trêmula. — Sim, Carol. Eu ficarei com você.
Ela sorriu.
E, naquele instante, Arthur sentiu as correntes invisíveis se fecharem ao redor de sua alma.
A dança não estava terminada. Estava apenas começando.
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