
As Golpistas Sombras do passado
P.O.V Lisa
Vazio. Oco. Só. Era assim que meu coração se sentia. Saber da notícia da morte de minha mãe fez com que a escuridão tomasse conta de mim. As amarras, que prendiam meu eu, cedem e com isso desabo.
Vergonhoso dizer que não consegui ter forças para o enterro. Deixei nas mãos de minha namorada e minhas amigas, pois nada fazia com que eu saísse da cama. Exceto hoje, terei que me despedir da mulher que comandava minha vida.
Olho meu reflexo e vejo as nuances da perda. Estou ligeiramente mais magra, minha franja impecável está bagunçada, meus olhos estão mortos e há uma grossa camada de olheiras. Vejo uma mulher destruída, pronta para largar tudo.
- Lisa? - Escuto Jennie me chamar.
Fecho meus olhos perante o vocativo. Não, não estou sem paciência. É a vergonha que me consome, vergonha de ter me tornado dependente dela, mesmo que seja uns dias. Perdi tanta minha força que até banho ela me deu. E isso me quebrou mais ainda.
- Lisa, meu amor, vamos?
Seu reflexo aparece atrás de mim. Olho-a através do espelho e vejo seu olhar recair sobre mim. Eles estavam tristes, sua preocupação era visível. Acompanho ele indicar uma escova de cabelo e pego-a automaticamente.
Sinto beijos suaves em meu ombro coberto. Sei que é um gesto para confortar e não há necessidade de palavras. Sei que ela está aqui por mim, segurando a barra, cuidando de duas crianças, a mim e ao enterro.
Viro para e recebo um selar em minha testa. Nos conectamos com nossas íris, e sinto um pouco o fardo diminuir. Vejo seu vestido preto, simples e liso. Um óculos de sol está em seu cabelo.
Já eu, visto uma camiseta, calça e um tênis, tudo preto. Alcanço meu óculos escuros, coloco em meu rosto e pego em sua mão. Após 3 dias volto a ver Léo, pois fiquei isolada no quarto e o sentimento de culpa se apossa de meu ser.
Ele não tem culpa de nada, mas o abandonei esses dias. Rejeitei sua companhia, ficando apenas com a solidão, martirizando o sofrimento. Nunca deveria ter afastado-o, porém não queria que me visse da forma que estou.
- Tia Lisa, você está triste? - Seu olhar era magoado, doído, choroso.
Me abaixo e o pego em um abraço forte. Peço desculpas em seu ouvido, e o encho de beijos. Ele me aperta mais contra si e sinto uma lágrima cair. Rapidamente a enxugo, para que ele não me visse tão vulnerável.
- Querido, me desculpe. - Digo, com a voz embargada. - Prometo que depois que me despedir da vovó, ficarei com você.
- Juradinho? - Ele disse, levantando seu mindinho.
Havíamos pegado esse hábito com Jennie e Aime. Agora nós quatro fazemos nossos juramentos e promessas assim, mostrando que não quebraremos. Engato nossos dedos e beijo sua testa.
No sofá, Aime e Miyeon observam nossa interação. A pequena desce e vem em minha direção, para que ela pudesse me abraçar. Encho-a de beijos e a aperto para que ela sinta todo o amor que há em mim.
Jennie me toca suavemente em meu ombro, um claro sinal de que devemos ir. Levanto e entrego as chaves do carro, para que ela fosse a motorista do dia. Apenas sento no carona e deixo-me vagar pelas lembranças.
Eu tinha apenas cinco anos quando viemos para cá. Papai disse que aqui iriamos melhorar de vida, então eu e mamãe arrumamos nossas malas e viemos com toda uma mudança. Foram meses difíceis, onde tive que aprender outro idioma e refazer amizades.
Não entendia muita coisa, mas tive algumas percepções: papai passava cada vez mais longe de casa, mamãe chorava cada vez mais, e nossa vida estava pior. Quase não tínhamos três refeições por dia e muitas vezes era apenas mingau.
Os anos se passaram e mamãe começou a trabalhar. Papai aparecia uma vez por semana ou a cada duas semanas. Dizia estar ocupado mantendo a família, porém apenas mamãe colocava comida na mesa.
Então quando fiz 15 anos, ele chegou e com uma frieza surpreende disse estar indo embora. Lembro da gritaria, mamãe chorando desesperada e eu sem entender. Ele falava enquanto montava sua mala e entendi apenas uma frase: tenho outra família.
Nesse momento, tudo se desfez e compreendi a verdade: nunca foi por nós. Nunca foi por essa casa. Sempre foi os outros. Há quanto tempo ele fazia isso? Há quantos anos nos enganando? Fazendo isso com mamãe?
No fim, sua saída não mudou em nada. Exceto que mamãe definhava cada vez mais, banhando em lágrimas e sofrimento. Que logo deu espaço para doenças, seu imunológico quase inexistente, tamanhos problemas haver.
Então ficou cada vez pior após meu aniversário de 16 anos. Sua tosse era persistente, e muitas vezes continha sangue. Manchas roxas e vermelhas apareciam em seu corpo, suores noturnos. Até um dia ela desmaiar no trabalho e ser levada para o hospital.
O temido diagnóstico chegou: Leucemia. O tratamento sendo exorbitante, não tínhamos como bancar. Então larguei meus estudos e decidi que iria trabalhar. Cafeteria, mercado, qualquer emprego, aceitaria sem pestanejar. Só que não foi bem assim.
Mamãe voltou para casa, com uma dívida enorme e um tratamento caro. Nos armários apenas pães vencidos, bolachas estragadas e macarrão com caruncho. Ninguém me queria, diziam que não tinha experiência, não era condizente com a vaga e mais outras inúmeras desculpas.
Em um ato desesperado, olhei para uma vaga onde não precisava ter experiência, eles me dariam isso. O local escuro possuia apenas um led na frente, em cor roxa. Por dentro, um bar com várias cadeiras em vermelho, poltronas de couro e um palco com 3 hastes. Engolindo em seco, vou atrás do contato que havia no anúncio.
Logo, um rapaz loiro e alto veio em meu encontro. Apontamos as mãos e ele me levou para o segundo piso, onde estava seu escritório. Apenas uma mesa com um computador, um móvel com umas bebidas e taças e duas cadeiras simples. Funcional.
- Então, Lisa? Isso?
- Sim, senhor. - Respondi, acanhada.
- Por favor, me chame de Jhon. - Aceno positivamente com a cabeça. - Você sabe sobre nossa vaga? - Engulo em seco
- Sei sim. Não sei pole dance, mas sempre dancei. Aprendo rápido.
Seus olhos me analisavam profundamente. Sei que ele sabia que eu era menor de idade. Ele sabe que não sou esse tipo de garota. O problema é que estava desesperada e aceitaria qualquer coisa. QUALQUER COISA.
- Por quê?
- Minha mãe está com câncer.
Aquilo bastou. Ele concordou e no mesmo dia já estava sendo treinada. A princípio, apenas dançaria. Ninguém me tocaria e usaria uma máscara, para proteger meu rosto. Ganharia $ 100,00 por noite e folgaria quando quisesse.
No bordel, conheci muita gente bacana. Fiz amizades muito importante e conheci minha primeira namorada: Minnie. Sua função era cuidar do bar e gerenciar os quartos privativos. Ela sempre cuidava de mim, tirando os olhares perversos sobre mim.
Logo Jisoo veio morar conosco, então com uma boca a mais para alimentar, comecei a fazer show privativo. Não passava disso, porém às vezes alguns homens me apertavam e tentavam transar comigo.
Sei que Jisoo não sabia com o que trabalhava, mas sei que sabia que não era nada bom. De manhã cedo, quando chegava, ela cuidava de mim, aplicando pomadas em meus machucados. E naquele momento, via a agonia em seus olhos.
Ela logo não tardou em trabalhar e ajudar e confesso que fiquei tentada a largar tudo. Porém, ainda havia a dívida hospitalar e não queria ser bancada por ela. Mas uma noite, tudo mudou.
Um dos homens mais ricos que frequentava o lugar, pediu meus serviços. Fiz meu show privativo, só que sua intenção era outra.
- Por que não tira a máscara, baby? Me deixe te ver.
Claramente recusei, o que o enfureceu. Desacostumado a ouvir não, ele entrou em estado de fúria. Agarrou minha cintura e puxou meu corpo para si. Tentava desesperadamente fugir, ele já havia tirado meu top e engolia meu corpo com seus olhos.
Em meio ao desespero, peguei o champanhe que havia no bar, ao lado da poltrona e o golpeei na cabeça. Imediatamente ele desmaiara, soltando meu corpo. Lágrimas transbordavam em meus olhos, o desespero crescendo em meu peito. Em outro ato de coragem, vasculhei seus bolsos, querendo saber o quão encrencada estava, o que me fez encontrar sua carteira recheada.
A possibilidade do dinheiro fácil, silencioou quaisquer outro pensamento que poderia ter. Alisando as notas, pensei em quanto isso adiantaria o tratamento de mamãe, tudo que mais queria era vê-la saudável novamente. Pensando nisso, finalmente agi.
Retirando o dinheiro, fugi. Contei para Minnie, que conseguiu dar um jeito na situação e decidi nunca mais voltar para lá. Porém, agora tinha outro embate: como caralhos, iria achar dinheiro de modo rápido?
A resposta estava em minha bolsa. Ganhei mais nesse furto do que em um mês de trabalho. Acontece que não sou ladra, não sei fazer isso. Nunca agi contra lei e esse questão me levou para um lugar duvidoso. E em meio a um desabafo alcoolizado em um bar, conheci Jackson.
Jackson Wang, batedor de carteira com uma certa fama no ramo. Ele se orgulhava de ter feito inúmeros assaltos e iria me ensinar as manhas do negócio.
Logo, estava uma ladra de primeira. Aprendi como roubar, como fugir e aprendi a manusear armas, apenas para precaução.Fiz muito mais dinheiro do que antes, mas também era perseguida como nunca.
Jisoo e Rose, agora morando em uma casa só delas, montaram uma oficina e por meios de vários contatos, firmamos negócio nos rachas. No começo não ganhávamos nada, mas depois de certo tempo e habilidade, éramos quase imbatíveis. Já não precisava mais roubar, então abandonei essa vida e com ela, os planos de grandes furtos.
Minha mãe começou a melhorar cada vez mais, o tratamento estava dando certo. Seus cabelos, antes raspados, voltaram a crescer. Seu riso voltou ao rosto, sua vontade de cozinhar e viver também.
Minhas amigas viraram uma família, mamãe cuidava de nós três. E quando seu quadro se reduziu a quase nada, comemoramos durante dias, onde eu a enchia de beijos e afeto. Apresentei até um cara e rolou um namorico entre eles.
Mamãe não precisava mais trabalhar, então ficava em casa cuidando de nós. Sempre nos presenteava com roupas tricotadas, jantares maravilhoso e almoços divinos.
Estava completa de novo, mas ainda sentia falta de algo em minha vida. Um amor para transbordar. Eu e Minnie rompemos após um tempo, não estávamos mais na mesma página. Porém, nunca perdi o carinho por ela e a ajudei a sair do bordel também. Agora ela era a fonte comunicativa dos rachas.
Pensei que o amor não era para mim, até ser desafiada a roubar uma loja.
- Entendi que você não quer mais roubar, mas que tal um desafio? - Jackson falou.
- Que tipo de desafio?
- Fiquei sabendo de um lugar, onde há uma bela dama.
Isso atraí minha atenção. Com exceção de Minnie, nunca mais namorei. Um caso aqui e ali, porém nada significativo para mim. Então penso se vale a pena correr atrás de uma mulher. Se analisarmos bem, não tenho nada a perder mesmo.
Vou na joalheria dita, usando roupas facilmente camufladas e um boné. A vejo atendendo pessoas, focada em seu trabalho e nossa. Nossa, nossa, nossa. Que mulherão é essa? Esbelta, olhos felinos, cabelos perfeitos e um sorriso gomoso lindo.
Planejo o assalto e penso em como chamar aquela mulher para sair. O plano era simples: tiraria tudo dela e na sua hora da saída, ofereceria uma carona, como qualquer pessoa decente. Iria ser ótimo, porém se tornou perfeito quando ela mesmo deu a sugestão.
Mamãe nos apoiou a todo momento e sempre pedia para que Léo e Aime a chamasse de vovó. Eles faziam biscoitos, bolos, doces e tudo que as crianças queriam. E ela fazia mais roupas para usarmos combinando, igual os filmes.
Seu apoio foi primordial, ela amava Jennie como filha e sempre ficava ao lado dela, quando havia alguma briga. E Jennie a mimava com novos turbantes, pulseiras de sogra e nora, entre outras coisas. E agora ela se foi, deixando esse vazio em meu peito. A sensação da derrota perpétua em minhas veias, de forma mais dolorosa possível. Por que não a mim? Por que justo você teve que falecer, mãe?
Volto ao presente quando descem o caixão. Não me lembro da missa, das condolências, de nada. Mergulhando no tempo, e em como ela estava melhorando e como estávamos felizes. E agora nada mais faz sentido.
Após a despedida, rumamos para minha casa. Jennie e Aime estavam dormindo ali, desde que voltamos das férias. Encostamos o automóvel e reparo em como a casa está escura e silenciosa.
Com duas crianças no local, ao menos uma televisão estaria ligada. Fico alerta e gritando seus nomes. Jennie sobe para ver se estão dormindo, enquanto vasculho a casa. Nada está fora do normal, até encontrar um envelope. Há meu nome e de Jennie escrito, então abro com as mãos trêmulas. Dentro há fotos das crianças e um novo recado:
Jennie, você dançou à beira do abismo e agora está prestes a sentir o impacto da queda. E você, Lisa, com seu egoísmo cego, logo descobrirá o que é perder tudo!
Meu coração bate violentamente, não acreditando no que havia escrito. O que querem conosco? Por que justamente eu e Jennie estamos sofrendo? Já não basta perder minha mãe, perderei meus filhos também?
A resposta para minhas perguntas foram respondidas assim que meu telefone tocou e eu atendi.
- Alô?
Indíce
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