
As Golpistas Descobertas
Aime e meus pais haviam ido dormir há tempos. Sinto meu sono desregulado, então vou ocupar minha mente com o que mais gosto de fazer na casa de minha mãe: olhar fotos velhas. É um pequeno hábito adquirido ao longo do tempo. A ausência minha causa certo distanciamento, mas eu não quero isso. Não quero perder os fios que ligam a mim e a minha família. Sei que parece tolo, sendo que eu escolhi ir embora. E também o fato de meus pais e eu não sermos grandes amigos, ou quiçá amigos. Porém, sempre fomos unidos. Uma união estranha e distante, mas mesmo assim, ainda havia. A sala era toda em branco, com sofá em L, almofadas, tapete e cortinas nessa cor. Apenas o rack mudava, com tons de marrons. A TV bem posicionada refletia a luz dos abajures, e ali escondiam os álbuns. Sempre começo com as fotos de Aime. Desde quando estou grávida até ontem, se tiver. Uma retrospectiva de sua vida, seu crescimento. Sinto falta de ter esses preciosos momentos com ela. A primeira foto que pego é minha no 6º mês. Eu estou de pé, com uma calça e blusa preta, essa que estava erguida para mostrar minha barriga de gestante. Tae segurava uma das minhas mãos e outra apoiava em meu ventre. Tínhamos 18 e 19 anos, respectivamente. Éramos apenas duas crianças brincando de adultos. Agora com 23, enxergo como não estávamos prontos de maneira nenhuma. Tanto que Tae sumiu, voltou para a Coreia e nem sequer pergunta da filha. Josh também foi outro que nunca se importou. Nesses dois anos que ficamos juntos, nunca questionou ou tentou colocar Aime em sua vida. E minha filha merece mais do que ser algo esquecível Olho a foto do primeiro aniversário, ela toda pequena. O tema foi Minnie, Aime usava um vestido rosa com bolinhas pretas. Um arco estava em minha cabeça, combinando com meu vestido vermelho de bolinhas. Era apenas um bolo, doces e bebidas. Só meus pais, os pais de Tae e o próprio. Agora eu vejo como estávamos distantes, já não nos amávamos mais. Uns 5 meses após, decidimos seguir nossas vidas separadamente. Foi nessa época que acabei saindo de casa e tentei a sorte na cidade grande. Conheci Josh em uma noite em um bar e acabei me encantando com ele. Péssima escolha. Vejo as fotos de Aime e cada vez meu coração aperta um pouco mais. Raramente estou entre elas, apenas as de aniversário. Vejo a última que temos juntas, de alguns meses atrás. Era seu 4º aniversário, e o tema era Minions. Ela usava um macacão inteiriço, e vestia óculos gigantes. Eu estava de amarelo e a segurava em meu colo. Quando percebo, uma lágrima caiu na imagem e percebo meu choro silencioso. Não sei quantas vezes eu chorei nesses últimos dias. Então, engulo o choro e pego a próxima caixa. Eu sei que são da minha infância, por ter a letra J enorme na capa. Folheio com cuidado cada página, permitindo que um sorriso brotasse em meu rosto. Olho com nostalgia, aquela estrangeira tentando se encaixar na sociedade americana, querendo ser amiga de todos e sendo líder de torcida. E namorando um coreano que jogava Rugby. Que clássico de merda. Chego nas fotos de infância e vejo como éramos simples, mas felizes. Vejo que tínhamos uma família enorme e sinto saudades de todas aquelas pessoas. Mas já era hora de ir dormir, então permito olhar apenas mais uma página. A foto amarelada pelo tempo era simples. Duas garotinhas abraçadas, rindo e segurando bonecas de pano. Eu usava maria-chiquinha e a outra garota estava toda desgrenhada. Um sorriso brota em meus lábios, mas some rapidamente enquanto reparo na garota. Ela tinha uma pequena pinta no canto superior da bochecha, quase perto dos olhos. Seus olhos faziam uma meia-Lua com seu sorriso e sua boca pequena tem formato de coração. Meu coração palpita com as coincidências, e acabo tirando a foto do local, para vê-la mais de perto. Sim, era extremamente parecida com ela. Mas isso não faz o menor sentido. Como? Quando? Por quêe? Essas dúvidas martelam minha mente e borbulham em curiosidade. Infelizmente terei que tirá-las apenas amanhã. Seguro a foto com o máximo de zelo e guardo as caixas, deixando-as organizadas novamente. Desligo as luzes e subo para o quarto de Aime. Silenciosamente entro no cômodo e deito em seu lado. Seu cheiro de morango invade meu nariz e puxo-a para mais perto de mim. Seu corpinho cola em mim e não posso deixar de me sentir completa. Mas a verdade é que não prego o olho. Não entendo como é possível. E se realmente é possível. Aquela foto possui mais de 18 anos, eu não consigo me lembrar de nada e isso é aterrorizante. A noite passa e fico me remexendo na cama. A imaginação tomando conta, pensando nas possibilidades. Eu sei que ela é ou era descendente de asiáticos que denunciavam isso. Só não sabia o grau. Mas aquela foto, ela mudaria muita coisa. No que mudaria? Não sei, mas sinto em meus ossos. Sinto que algo irá se mover e alterar minha realidade. Mas primeiro preciso confirmar minhas suspeitas. Escuto passos e imagino que já seja de manhã. Por mais que a curiosidade lateja em meu interior, ficarei ao lado de minha criança. Seus braços seguram em mim possessivamente, e encho sua cabeça de beijos. — Bom dia, mamãe. — Aime acorda, esfregando os pequenos olhos. — Bom dia, minha princesa. Está com fome? — Dou um beijo de esquimó em sua pele lisa. Aime concorda e levanta da cama. Ela se espreguiça e vai para o banheiro se limpar. Enquanto isso, levanto e estalo minhas costas. Sinto toda a tensão na situação e calmamente vou atrás de minha filha. É tão estranho vê-la independente, escovando dentes e cabelo sozinha. Eu sei que devemos incentivar a fazer as crianças serem autônomas, mas isso não impede a fisgada em meu coração. — Será que a mamãe pode vestir o bebê dela? — Perguntei, fazendo cócegas em sua barriguinha. — Mamãe, para. — Sua risada ecoava no banheiro. Peguei-a no colo e levei para sua cama. Tirando a camiseta do lugar, assopro em seu abdômen, fazendo barulhinhos. Aime se contorcia, rindo altamente. Fique assim por mais uns segundos e subi para beijar sua bochecha. — Mamãe, eu te amo. Você me ama? — Eu te amo mil Sóis, meu bebê. Vem, vamos colocar roupas iguais? — Vamos ser gêmeas? — Seu sorriso tirou qualquer cansaço que eu pudesse estar sentindo. — Como melhores amigas, que tal? — Somos melhores amigas, mamãe? — Ela me olha, com expectativas. — As melhores do mundo! — Jura? — Ela levanta o dedo, para que eu possa entrelaçar. — Juro, juradinho, — Engato meu mindinho do seu. Colocamos roupas iguais. As duas usando jardineira jeans e uma camiseta amarela por baixo. Sempre tinha roupa igual ao de Aime, para que pudéssemos nos vestir combinando. — Meninas, o café está pronto. — Meu pai nos chama. Segurando a mão de minha filha, descemos a escada, degrau por degrau. — Então eles estavam brigando e ele disse que era o pai dele e ele começou a gritar que não. — Aime conversava comigo. — Ah, é? — Sim, mamãe. E ele fez uooon com a espada de lâmpada e fugiu. — Nossa, filha. A mamãe quer assistir com você. Chegamos na mesa e havia pães, bolos, biscoitos ( bolacha é de água e sal, minha opinião). Senti cheiro de café e chá. Minha boca encheu de água e logo me sentei. — Bom dia, pai, mãe. Com licença. — Cumprimentei-os. — Bom dia, filha. Irei sair para resolver alguns problemas. Vejo vocês mais tarde. Meu pai beijou nossas testas e saiu. Minha mãe, calada como sempre, arruma o chá para nós e faz chocolate para Aime. — Mãe, preciso perguntar uma coisa. Ela assente, então me levanto até a sala de estar e pego a foto que deixei em cima. Meus dedos apertam o papel, e sinto a ansiedade tomar meu corpo. Entrego para minha mãe e ela sorri milimetricamente. — Quem é essa da foto, junto comigo? — Meu coração bate fortemente, aguardando a resposta. — Sua prima, filha de minha irmã Yeji. — Seus olhos brilharam, demonstrando lágrimas. — Sinto como se fosse hoje. — Sente o que , mãe? — Minha respiração se prende. — Quando Yeri e seu marido nos deixaram naquele acidente. — Uma lágrima escorre pelo seu rosto. — Ainda lembro da dor. — E o que aconteceu com ela? — Não tínhamos condições de cuidar dessa menina. Ela foi enviada para um orfanato estadual. — Então ela foi adotada? — Um nó se formava em minha garganta. — Não sabemos, querida. Mas esperamos que sim. Ela deve ter 24 anos agora. — E como é o nome dela? — Minhas mãos suavam, expectativa da resposta. — Jisoo. Kim Jisoo.
Indíce
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