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Stories - Parte 1

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Stories - Parte 1: Rainy Days [1]

"E me diz porque eu gosto Tanto, tanto de você"

19 de Junho - Noite de Sábado 

A chuva passou, mas fazia um friozinho delicioso, daqueles que dá vontade de aconchegar-se com um cobertor diante da tv e assistir filmes com os amigos. Lis até podia se imaginar rindo e atirando pipoca na sua pessoa favorita, mas haviam dois fatores que a impediam: 1° o frio na barriga que a domina só de cogitar enviar mensagens para ele e 2° o rapaz em questão, seu melhor amigo desde sempre, estava agindo de maneira estranha, preferindo evitá-la, e isso magoava a pequena garota que agora via-se completamente só.

 

Daniel. Lis suspirou pensando no nome dele enquanto encarava o telefone. 

 

Mas ao invés de enviar a mensagem, a menina decidiu fazer algumas atividades escolares para matar o tempo. Uma redação sobre o impacto da poluição e as consequências na natureza, para ser mais exato. Estendeu uma manta de microfibra com desenhos dos planetas que brilhavam no escuro e deitou. Podia sentir os longos cabelos castanhos encrespando por causa do frio, mesmo assim havia algo de aventureiro em ficar ao ar livre. Era quase como se estivesse em um acampamento. Não demorou muito para passos conhecidos atravessarem o quintal até onde estava.

 

— Fala sério, você ainda guarda isso? — disse a voz que assomava em cima dela. 

 

Lis ergueu a cabeça, vendo os tênis air jordan, a bermuda de cordão e a camiseta branca sem mangas de Daniel, seu amigo e vizinho, de braços cruzados encarando-a com ar de superioridade. Superioridade essa que só existia em sua cabeça oca. 

 

— Do que você tá falando? — Lis pergunta jogando os cabelos.

 

Ela sorri enquanto fala. Seria mentira dizer que não decidiu especificamente esse lugar apenas para chamar a atenção dele, afinal tinha plena consciência de que qualquer um que olhasse pela janela do segundo andar da casa vizinha poderia vê-la ali.

 

Daniel, que havia acompanhado o movimento leve dos cabelos dela, desvia os olhos. Tentando aparentar indiferença. 

 

— Desse cobertor idiota — ele dá leves chutes na ponta da manta cinza que um dia foi sua.

 

Lis e Daniel se conheciam antes mesmo de terem dito a primeira palavra. Seus pais cultivavam uma amizade desde a faculdade, e por coincidência acabaram tendo filhos na mesma época.

 

Intencional ou não, o fato é que ambos sempre estiveram um na vida do outro. Correram juntos no quintal brincando de esconder, deram às mãos para atravessar a rua, jogaram água um no outro dentro da piscina de plástico só de roupas íntimas. Uma época maravilhosa até Daniel subitamente decidir se manter afastado.

 

— Gosto dessa manta. É macia e fofinha. — dito isso, Lis passa a mão naquela superfície de microfibra que trás tantas lembranças. Ergue a cabeça e olha para ele novamente. — Quer sentar?

 

 — Não — responde seco — Só tô passando. — não parava de revirar nos dedos o cordão que levava no pescoço. Havia uma entrada secreta interligando os dois quintais. Na infância parecia prático, agora a simples ideia de andar pelo quintal dela parecia irritá-lo.

 

Lis não entendia o que fez de tão grave para aborrecê-lo desse jeito. Daniel sequer a encarava nos olhos. Ele sempre teve uma personalidade forte. Se brincar seu ego é maior do que o continente inteiro, assim como sua natureza narcisista. Sempre rejeitando a autoridade dos adultos, dando dor de cabeça aos pais por causa do seu mau comportamento. Muitas vezes se metia em brigas defendendo Lis quando as outras crianças implicavam com seu jeitinho retraído. Só que com ela, Daniel conseguia ser diferente, mais amável, engraçado. Ele tinha se cansado de carregar o fardo de ter uma menina hiper carente nas costas?

 

De repente ela sentiu uma vontade imensa de chorar. Estava prestes a mandá-lo se explodir quando percebeu os machucados em suas mãos. Lis arfou.

 

— O que você andou aprontando? — perguntou autoritária. Esse tom de voz era reservado exclusivamente com ele. — Você disse que não ia mais brigar! 

 

Seis meses antes Daniel se meteu numa briga dentro da escola que lhe rendeu um olho roxo durante semanas e, após vê-la chorar, jurou nunca mais sair tão machucado. Ela ficou de pé, tentando acertá-lo, mas Daniel esquivou-se.

 

— Isso não foi briga! — disse antes dela começar a chutá-lo — Caralho, você e a Cristina sempre pensam o pior de mim! — Cristina é a mãe dele, só que Daniel se recusa a chamá-la assim. 

 

— Você vive brigando, quer que eu pense o quê? — falou envergonhada pelo erro que cometeu. Lis colocou o cabelo castanho escuro ondulado atrás da orelha, e olhou para baixo. — Você disse que não faria mais isso! Cumpra a sua promessa ou os seus pais podem ficar muito tristes se você se machucar pra valer!

 

Não conseguia olhar nos olhos dele no momento.

 

— Só eles? — Daniel perguntou de repente — Vai dizer que você não ficaria nem um pouco triste se eu fosse de arrasta pra cima? 

 

Ela levanta a cabeça, encarando-o.

 

— Aff, Daniel! Tu fala umas besteiras, hein? — Lis se recompõe — Não sei como te aguentei todos esses anos! — senta na manta e pega o caderno ciente de que evitou responder a pergunta. Dói só de pensar em não tê-lo em sua vida.

 

— Acho que você me ama. É, é isso! Você não viveria sem mim! — ele riu no final da frase. — Não é? Admita! 

 

Lis respirou fundo e releu o que tinha escrito umas três vezes, mordendo a língua para não dar uma resposta. Qualquer coisa que dissesse esse garoto arrogante acabaria usando contra ela.

 

Por sua vez Daniel esperava um revide, mas pelo jeito a garota não está com humor para suas gracinhas. Se quisesse manter a atenção dela em si, precisaria mudar de tática. Rapidamente analisou o cenário.

 

— Por que você tá estudando no sábado? — ele perguntou. 

 

— Não tinha nada pra fazer — disse dando de ombros.

 

— Até parece — desdenhou — Você gosta quando os professores te elogiam por ser uma irritante, sabe tudo!

 

— Oh não, você descobriu o meu segredo! — ela tampou a boca, fingindo-se chocada, numa pequena encenação.

 

Deu para ver a rusga de dúvida no olhar dele. Não sabia se a amiga estava sendo sarcástica ou não. Lis revirou os olhos. Então um pensamento surgiu completamente formado em seu cerebro, como se outra pessoa o tivesse plantado ali “O que tem de lindo, tem de burro”. Isso a pegou de surpresa. Desde quando reparava se esse bocó é bonito ou não?

 

Fechou o caderno. “Só repeti o que ouço às outras falar”, Lis tentou racionalizar, mas o fato é que podia sentir a sensação de que não era só isso. Não que ela soubesse exatamente que sentimento era esse. Deixou o caderno de lado. Se não conseguiu concluir a redação antes, agora mesmo, com Daniel ali, que não vai conseguir.

 

— Então, vai contar como foi que você se machucou? — perguntou encarando-o. 

 

Daniel abriu um sorriso enorme e a garota tinha que admitir: que belo sorriso. Dentes brancos, perfeitamente alinhados. Não é de se admirar a quantidade de garotas que se declaram apaixonadas por ele em todo o fundamental 2. Mas por algum motivo, que nem a própria Lis sabia, Daniel não namorava ninguém. 

 

As fofocas de corredor sugerem várias possibilidades, desde dúvidas sobre a sexualidade do rapaz até uma possível promessa religiosa. Para Lis, o interesse dele em meninas estava mais do que evidente, afinal ultimamente sempre que se trombavam fora das aulas Daniel estava conversando com alguma garota. Na última vez, Lis podia jurar que assim que a viu, ele beijou a tal garota - embora o ângulo não fosse favorável para saber se foi no rosto ou na boca mesmo.

 

E Daniel sequer pisava na igreja se não fosse obrigado. De tímido não tinha nada, então isso também estava riscado da lista. A resposta só podia ser que talvez ele não tivesse encontrado a garota certa.

 

De repente Lis percebeu que ainda estava encarando o sorriso perfeito dele e desviou os olhos.

 

— A sua cara congelou assim ou o quê? — Lis coçou a sobrancelha tentando esconder o constrangimento. Tinha alguma coisa muito errada com ela hoje.

 

— Tive um derrame por causa do frio. Você é tão inteligente e não sabe que isso acontece? 

 

— Sério? — debochou, voltando ao normal. — Para de coisa, nós dois sabemos que o frio não causa avc!

 

— Eu sei?

 

— RáRá que engraçado! — falou sem humor nenhum.

 

— Cômico. E lindo, não vamos esquecer! — acrescentou. 

 

— Esqueceu de dizer chato! Deus do céu, para de enrolar: o que aconteceu com você? — Lis começou a ficar impaciente.

 

— Machuquei quando eu caí do céu. Bobagem! — ele girou a mão de um lado para o outro como se inspecionasse.

 

— Você caiu do céu?

 

— É — ele usava um tom de voz como se não fosse nada demais — É por isso que sou tão lindo. Eu sou um anjo.

 

Lis tentou segurar a risada, mas foi em vão. Colocou a mão no rosto rindo descontroladamente. Essa foi a maior besteira que ouviu na vida.

 

— Ah tá achando graça é? — ele mesmo parecia querer rir — Então num vou te dar isso — e tira um envelope grande de papel pardo escondido sob a camisa de algodão. 

 

— E o que tem aí? — perguntou tentando se controlar.

 

— Lembra que a gente fez um simulado ontem..? 

 

Lis arfou.

 

— Não acredito! — ela praticamente gritou. Ficou de pé tão rápido que até Daniel se surpreendeu. — Como você conseguiu? 

 

— Peraê, você acha que é assim? — deu alguns passos para trás quando ela tentou pegar o envelope — Arrisquei meu pescoço entrando escondido no colégio, quero algo em troca. 

 

— Como assim? O que você quer? — estava agitada. 

 

— Só quero uma coisa em troca do meu esforço. Não é justo?

 

Ela deu de ombros. Não tinha objeções. O encarou esperando e Daniel sustentou seu olhar. E ficaram assim pelo que pareceu ser uma eternidade olhando-se nos olhos. Daniel riu e depois ela riu e não soube o motivo. 

 

— Quê? Não vai dizer nada? — ela perguntou esperando. 

 

— Você… Você gosta de… — pela primeira vez, Lis viu Daniel envergonhado com alguma coisa. Sua pele bronzeada atingiu um leve tom de vermelho enquanto desenvolvia a pergunta, então pareceu mudar de ideia sobre o que queria saber. — Tu num cansa de estudar? — falou bruscamente, apontando o caderno — Vai se divertir, sei lá, namorar alguém!

 

— Namorar? A gente tem treze anos, Daniel!

 

— E daí? Muita gente da nossa idade namora. O Nathan, por exemplo! — Nathan era um amigo dele. Igualmente nerd como Lis, porém diferente dela, conseguia ser uma pessoa muito sociável.

 

— O Nathan é uma exceção. Se você quer saber, a minha prioridade é estudar! — falou revirando os olhos. Lis não entendia essa pressa toda dos seus colegas de escola pra beijar na boca e namorar. Ela ainda tinha a vida toda pela frente pra fazer essas coisas, por isso focava nos estudos, e além do mais, se pretende mesmo ser pediatra precisa se esforçar muito. — Se eu for namorar vai ser quando eu tiver na faculdade.

 

Se aproximou mais dele. 

 

— Por que a curiosidade? — Lis riu. Esticou o braço e pegou a ponta do envelope. — Se for algum amigo horroroso seu querendo ficar comigo diga para ele que por enquanto não tenho pretensão de beijar na boca de ninguém. Na verdade, nem sei como as pessoas conseguem fazer isso sem ter sentimentos.

 

Daniel deixou que ela pegasse o papel. Parecia meio anestesiado.

 

— Então você não gosta de ninguém? — perguntou.

 

— Você tá curioso hoje, hein? — Lis deu um risinho. Por algum motivo essa conversa a deixava nervosa. — Tá me entrevistando pra algum podcast por acaso?

 

— Só responde. Pode ser? — Daniel apertou a ponte do nariz exatamente como o pai dele fazia.

 

— Não. Eu não gosto de ninguém. Satisfeito? — ao olhar para ele registrou a careta estranha que Daniel fez. — E você gosta de alguém? — se ele perguntou ela também podia perguntar.

 

Daniel desviou os olhos para a casa onde mora. No andar de cima, a irmã gêmea, Sarah, os observa. Os dois trocam um olhar e ela some.

 

— Gosto — falou sem hesitação. 

 

Lis ergueu a sobrancelha. Como assim ele gosta de alguém? Era por isso que Daniel tinha se afastado, ele estava namorando? Lis entrou em pânico. Uma coisa era vê-lo conversando com alguma menina aleatória no intervalo. Mas uma namorada? Só podia ser piada. Até a palavra namorada parecia ridícula se pronunciada em voz alta. Não, Daniel não podia namorar ninguém.

 

— E quem é? — se ouviu perguntar antes que pensasse melhor no assunto.

 

— A menina que eu gosto — Daniel olhou bem no fundo dos olhos castanhos dela — Tá sempre perto de mim. Ela é gentil, e é tão bonita mesmo que seja uma boba. Ela é tão nerd que faz a lição de casa no sábado. Mas deve ser por isso que gosto dela.

 

O coração dela acelerou. Era só impressão ou ele tinha descrito ela? Não podia ser verdade, porém o modo como Daniel a olhava fazia Lis sentir-se a pessoa mais especial do universo. Ele deu alguns passos aproximando-se e levantou a mão. Seus dedos pairam no ar até pousar no ombro dela. A sensação era totalmente familiar, mas, de alguma forma, completamente nova. Mil pequenas explosões aconteceram dentro dela, como o espetáculo de fogos de artifício no ano novo. 

 

Daniel subiu a mão e um leve pânico tomou conta da garota. Ela só queria poder ler a mente dele para saber o que estava planejando. Ele ia beijá-la assim tão de repente? Mas ela queria isso? Não sabia dizer.

 

— Lis — disse com um suspiro erguendo o queixo dela. 

 

— O que foi? — estando assim tão perto ela tinha que olhar bem para o alto graças ao surto de crescimento de Daniel naquele ano. Mas ao invés de responder ele fez um gesto para que a garota fosse em frente e abrisse o envelope.

 

— Quando você tiver na faculdade a gente fala sobre isso.

 

Talvez tenha sido o medo de abrir os olhos para a verdade estampada diante deles ou a ansiedade para ver o conteúdo dentro do envelope, o fato é que Lis preferiu deixar passar o assunto. Era a escolha certa no momento. Afinal, ainda não tem maturidade o suficiente para lidar com esses sentimentos. O melhor é fingir não saber. Ela sentou na manta e abriu.

 

— Me dá espaço! — ele disse, enquanto Lis procurava o próprio nome na lista de notas do simulado. 

 

— Não! — disse enfática — Você é quase um gigante e ainda jura que cabe nós dois aqui! Quando você tinha, sei lá, nove anos podia ser, mas agora… — balançou a cabeça. 

 

— Qual é Lis! Sabe o que eu passei pra trazer essa merda pra você?

 

— Por isso serei eternamente grat… Argh, Daniel! — resmungou quando ele lhe deu um empurrãozinho "leve". Lis desabou na grama — Eu avisei que não cabe nós dois! Teimoso!

 

— Cabe sim! Você fica numa metade e eu na outra — ele fez um gesto com as mãos. 

 

Lis se apoiou nos cotovelos segurando o papel.

 

— Não dá — falou, falhando miseravelmente em encontrar um espaço decente. — Você era criança quando me deu isso aqui — apontou para a manta — Agora você parece um dinossauro!

 

Mantas de criança definitivamente não estavam preparadas para o estirão masculino provocado pela puberdade. 

 

— Dinossauro?! — Daniel mergulhou em cima dela, fazendo-lhe cócegas na barriga. 

 

— DANIEL, NÃO! PARA COM ISSO! — disse, ou pelo menos tentou, enquanto ria — CHEGA! VOCÊ AMASSOU A LISTA! SAIA DE CIMA DE MIM!

 

— Foi mal, o dinossauro não entende o seu idioma!

 

— EU TAVA BRINCANDO! — ela arfou enquanto ria. — POR FAVOR, DANIEL! NÃO CONSIGO RESPIRAR!

 

— Você tava mesmo de zuera? 

 

— CLARO QUE SIM!

 

Daniel parou às cosquinhas, porém continuou em cima dela prendendo os braços de Lis ao lado da cabeça. 

 

— Se olhar com atenção, Flor de Lis, vai ver que não tenho nada haver com um dinossauro — falou com um sorriso triunfante. Ele tinha um cheiro muito bom e seus olhos cor de turquesa cintilavam.

 

Lis fez o que ele pediu e foi como se nunca o tivesse visto de verdade. Daniel havia crescido. Seu rosto não tinha mais as bochechas da infância e seus braços desnudos tornavam-se mais definidos. Por isso usava camisas sem manga, mesmo que estivesse fazendo um frio de gelar a espinha. Deus, os olhos dele sempre foram tão azuis? Ele sempre teve essas sardas quase imperceptíveis perto dos olhos? Ele tinha razão, Daniel não era dinossauro coisa nenhuma, ele se transformou numa coisa muito pior: o melhor amigo gato. 

 

Lis precisou de toda a energia que tinha para desviar os olhos dessa beldade, voltou a falar: 

 

— Meu corpo tá adormecendo — implorou, fazendo sua melhor cara de coitada. Mal conseguia controlar a respiração e não tinha nada haver com o peso dele. — É verdade — disse com um gemido. 

 

— Deixo você sair — Daniel suspirou com relutância. Podia sentir o hálito dele. A sua mão quente prendendo a dela. — Se admitir que sou bonito.

 

— Você é bonito — falou, levemente tonta. Havia alguma coisa diferente no ar. Talvez fosse o cheiro da grama. Ou a música que alguém escutava. Ou a percepção de que estavam totalmente sozinhos, seus corpos numa posição íntima - até demais - numa minúscula manta infantil. 

 

Num minuto podia sentir o chão sob suas costas e no outro aconteceu. De repente Lis sentiu como se gravitasse sem peso em sua órbita. Nunca mais veria Daniel Schmidt como seu melhor amigo. Ela o amava? Sim, mas desde quando?

 

Talvez nunca houvesse uma época em que não o amou. Ela o amou quando cozinhou biscoitos imaginários para ele enquanto todas as outras crianças dormiam na creche. Quando ele subia no escorrega no recreio e declarava que todo aquele espaço pertencia a sua trupe. Quando ele cantou totalmente desafinado uma música sob uma árvore em flor só para fazê-la rir e acalmar seus nervos antes das provas no sexto ano. 

 

Ela amava o fato dele sempre chegar molhado, onde quer que fosse, por esquecer o guarda chuva nos lugares. Amava seus cabelos dourados cintilando ao sol. Os chamativos olhos azuis. O sorriso presunçoso. Esse tempo todo ela só estava determinada a resistir a essa paixão porque sentia medo. Apaixonar-se não é a decisão mais sábia para uma menina certinha feito Lis, mas ao mesmo tempo… Ele é tão lindo. E o modo como está olhando para ela agora, tombando a cabeça de lado e examinando sua reação, fazia Lis sentir que estava na lua.

 

Abrindo um sorriso com os lábios simétricos e igualmente volumosos, Daniel disse:

 

— Nem foi tão difícil assim.

 

Ele pareceu perceber o quanto é inadequado ficar em cima dela desse jeito. Porém não moveu um único músculo para sair. Ficaram em silêncio por alguns instantes. Imóveis. E como nenhum dos dois desviou os olhos, Daniel começou a se mover muito lentamente, como se tivesse medo de assustá-la, libertando seus braços. De olhos fechados, Lis respirou o cheiro dele. Suspira, trêmula, sentindo às pontas dos dedos de Daniel em seu rosto, descendo até o queixo. 

 

Mesmo consciente de que estava apaixonada, Lis ainda não tinha decidido se podia ultrapassar essa barreira. E agora estava sem tempo para pensar. Se você não pode beijar seu amigo de infância, então quem você pode beijar? Mas não seria apenas um beijo. Ela gosta dele e ele gosta dela. Era o Daniel dela, seu conforto, seu porto seguro. Se namorassem, finalmente Daniel pertenceria a ela de verdade. Mas mudaria alguma coisa? Ele deixaria de ser esse revoltado? Lis com certeza não deixará de ser a nerd que sempre foi. 

 

Um cachorro latiu em algum lugar na rua. Onde estava com a cabeça para deixar as coisas chegarem tão longe? 

 

— Não — falou quando ele inclinava a cabeça para ela.

 

Daniel parou imediatamente. Sua expressão fez com que Lis quisesse arrancar as próprias entranhas. Estava arrasado. 

 

— Foi mal — ele disse, envergonhado. — Entendi errado… — ele passou a mão no rosto, depois se levantou, desajeitado, arrumando a camiseta. — Tenho que ir pra casa, falow!

 

Ele disse tudo isso numa única respirada o que deixou Lis completamente tonta. Ainda estava estatelada sobre a manta. Levantou metade do corpo:

 

— Espera Daniel! Não vai embora não! — se ele ouviu não demonstrou. Lis ficou olhando aqueles ombros se distanciar mais e mais. Foi tola ao pensar que rejeitá-lo assim não teria consequências.

 

 

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