Errantes O Encontro Inesperado.
Luck parte para o curso.
Ao abrir a porta, uma ventania fresca passou por ele, fazendo-o dar um leve sorriso. Luck caminhou para fora, deixando a porta semiaberta. Moveu-se rapidamente pelo belo quintal esverdeado, com a grama aparada e protegido por um muro que contornava toda a área e a casa. Por fim, chegou ao varal, retirou seu par de tênis e voltou para a sala, fechando a porta atrás de si.
Já dentro de casa e sentado no sofá, Luck viu seu pai entrar no cômodo com um talco e meias nas mãos. O homem entregou-os rapidamente ao filho e ficou encarando-o, com um olhar semicerrado e fixo.
— Só não esquece a cabeça porque está grudada — criticou o velho, com voz grossa e lenta, cruzando os braços em seguida.
O jovem sorriu de maneira lenta e discreta, enquanto seus olhos se fechavam e uma das mãos ia até a nuca, coçando-a devagar. Então, começou a se aprontar rapidamente.
— Pai, pode pegar para mim a chave do carro? Ela está do lado da televisão!!
— Você vai de carro? Acho melhor ir de bicicleta. As ruas devem estar lotadas agora.
— Nem! Vou de carro mesmo.
— Humph! Você que sabe, mas eu recomendo.
— Tá tranquilo, pai. E eu não quero chegar lá todo suado, sabe.
— Tem esse porém ai, filho. Mas eu recomendo, vai que eles ficam com dó de você.
— Nah! Tá de boa mesmo, não curto muito essa parada das pessoas sentirem dó de mim.
O velho concordou com um aceno, pegou a chave do carro e a entregou ao filho, que já estava de pé. Luck guardou-a no bolso da calça e, com um sorriso no rosto, cumprimentou o pai com um aperto de mão antes de dizer:
— Sua bênção, meu velho pai. Já estou indo!
— Deus te abençoe, meu filho.
Luck virou-se, deu as costas ao pai e caminhou em direção à porta. Antes de sair, já com a porta aberta, olhou para o velho e disse:
— Tem como o senhor abrir o portão para mim, na moral?
Seu pai revirou os olhos.
— Tá, vai logo lá, senão você vai se atrasar ainda mais!
— Pode deixar... — respondeu Luck, já caminhando pelo gramado.
Enquanto isso, seu pai saiu da casa e foi direto ao portão laranja que ficava na divisa entre a calçada pública e o quintal.
Ao chegar ao fundo do quintal, Luck avistou a garagem improvisada que havia construído. Era bem simples; um teto de telhas galvanizadas sustentado por quatro pilares de cimento — nada além disso.
O jovem entrou em seu carro preto, de formato angular que lembrava um cubo sobre rodas. O veículo era baixo e compacto por fora, mas quando Luck finalmente se acomodou no interior, tornava-se evidente que o espaço era surpreendentemente amplo — além do couro preto que revestia tudo, do teto ao piso.
Luck ajeitou os retrovisores, colocou o cinto de segurança e ligou o carro. Respirou profundamente antes de começar a se movimentar em direção ao portão, que já estava completamente aberto, com seu pai ao lado, em pé e observando.
O carro desacelerou e parou em frente ao pai de Luck. Com um click, o vidro do motorista deslizou para baixo. O jovem apoiou o braço na moldura da janela enquanto olhava para o velho.
— Vou indo, pai. Fique com Deus — disse Luck, com voz grossa, mas pausada.
— Anda logo e some daqui! Mas vá com Deus e cuidado com a estrada.
O sorriso de Luck ainda estava estampado nos lábios quando engatou a marcha. Por fim, o carro arrancou do quintal. Por um instante, enquanto se afastava, Luck olhou para o retrovisor interno — aquele pequeno retângulo de vidro — e encontrou os olhos do pai, que já estava à beira da rua, com a mão erguida em um tchau silencioso. Involuntariamente, mais um sorriso escapou do canto da boca do jovem.
Quando virou a primeira curva, quase sem querer, olhou rapidamente para trás e viu o pai mais uma vez. Deu duas buzinadas, um sinal de despedida perfeitamente compreensível para o velho.
O carro de Luck corria pela estrada em velocidade moderada quando, de repente, seus olhos castanhos se distraíram por um instante, fixando-se na pessoa que andava sobre a calçada oposta de sua mão.
Pisou bruscamente no freio, fazendo o veículo deslizar por alguns metros antes de parar.
A pessoa que chamara sua atenção tinha uma beleza andrógina: corpo magro, mas com músculos definidos sob uma camiseta cropped cinza-escuro feito de seda, que exibia a barriga trincada, os ombros e as costas alvos. Vestia ainda uma calça jeans boca de sino preta, justa o suficiente para marcar suas curvas.
Os cabelos lisos — que caiam para fora da touca em sua cabeça — iam até a nuca, tinham tom de azul idêntico ao do batom nos lábios e do esmalte nas unhas. Uma franja cobria metade da testa, enquanto uma pequena pinta no queixo acentuava o rosto delicado.
Luck suspirou profundamente, como se quisesse encher os pulmões de ar antes de gritar. Apoiou o braço novamente na moldura da janela aberta, inclinou a cabeça para fora do carro e, com um sorriso largo que ia de orelha a orelha, exclamou:
— Ei, minha Deusa! Pra onde você vai, Alex? — gritou Luck, com um tom cheio de alegria. Sua voz soou grossa, seu olhar ganhou vida enquanto aquele sorriso enorme dominava seu rosto.
Alex olhou rapidamente na direção de Luck — o grito e o barulho dos pneus deslizando no asfalto haviam lhe dado um pequeno susto. Por alguns segundos observou Luck, com um olhar curioso, até então soltar um leve sorriso de sua boca.
Com uma de suas mãos, e ainda parada, mostrou um joinha para Luck, para logo depois dar alguns passos para frente, ficando em cima do meio fio. Alex então colocou sua outra mão na cintura de forma bem calma.
— Oi Luck, nem te vi!! O que está fazendo? — disse Alex, falando de forma alta, com um timbre grosso misturado com uma suavidade meiga, quase angelical.
Luck, por sua vez, antes de respondê-la, colocou de volta sua cabeça para dentro do carro.
— Eu é que te pergunto! Não te vejo faz tempo. Sumiu? Por onde andou esse tempo todo? — questionou Luck, com voz calma, e suas pupilas dilatadas.
— Estava resolvendo uns negócios por aí, sabe. Nada importante que valha a pena falar — respondeu Alex, olhando para os lados da rua antes de se aproximar do carro. Apoiou um braço no teto do veículo, inclinou-se e encarou Luck sem expressão.
— Ata, sei… — resmungou Luck, olhando para frente e estalando a língua contra o céu da boca, num som seco e alto. — Acho que você esqueceu que eu existo, ha… ha.
Alex sorriu de canto ao ouvi-lo, deslizando a mão lentamente pelo braço do rapaz, até que este voltou a encarar seus olhos castanhos.
Luck baixou o olhar, passando pelos lábios de Alex até seus dedos, que acariciavam seu bíceps com suavidade.
— Hmm… alguém estava com saudades de mim, ou será ciúmes, hein? Hahaha… — provocou Alex.
— Não é ciúmes. É... só a saudade mesmo, pô.
— Sim, eu sei, Luck. Mas pode ficar tranquilo que eu não vou te esquecer tão fácil — murmurou Alex, como se cada palavra escorresse como um mel, grosso e quente.
Luck, por sua vez, arrepiou-se por completo, soltando um sorriso espontâneo enquanto seu rosto ficava cada vez mais vermelho.
— Fica um mês fora, e quando volta é só pra me atazanar, né…
— Claro! Não tem coisa melhor do que encher teu saco — respondeu Alex, com os olhos brilhando e um sorriso gentil, antes de tirar a mão do braço de Luck e usá-la como apoio para a própria cabeça. — E você, ainda não me respondeu. O que tá fazendo? Vai trabalhar só agora?
— Não! Na verdade, acordei um pouco tarde pra ir a outro lugar. Vou lá na "Legado", sabe? Vou tentar virar um "Sentinela".
— Ah, tá, entendi. E você ainda parou pra conversar comigo?
— Nah! Tá de boa! Tô indo lá sem nenhuma esperança de que vão me deixar entrar... — comentou Luck, soltando uma gargalhada fraca no final.
— Meu Deus, menino… Você não se importa com o seu futuro não? — criticou Alex, levantando-se e colocando as mãos na cintura. Olhou para Luck com um olhar fixo e semicerrado, enquanto sua cabeça e seus cabelos balançavam graciosamente de um lado para o outro a cada palavra que saía de sua boca.
— Bom… é que… não sei…
— Aff!! Luck, eu vou indo nessa. Não quero ser o seu atraso — disse Alex, cruzando os braços e virando as costas para Luck.
— Não, peraí… Deixa que eu te dou uma carona… — respondeu Luck, com os olhos arregalados e tristes.
Alex olhou novamente para ele, abaixou-se e aproximou-se bem perto, então falou:
— Não!! Você vai direto fazer o que tem que fazer, e depois conversamos mais, pode ser? — barganhou Alex, soltando um sorriso meigo no canto da boca enquanto encarava Luck profundamente.
— Ahhh… tá bom! Mas promete que nós vamos conversar de novo, né? — perguntou Luck, com os olhos brilhando de esperança.
— Claro!! Podemos conversar em qualquer lugar que você quiser.
— Pode ser na sua casa? Sei que você faz uma comida deliciosa…
— Sem nenhum problema, Luck. Quando puder, a gente conversa. Agora some logo daqui, menino… — declarou Alex, soltando um sorriso enquanto olhava para Luck por alguns segundos.
Em seguida, deu um beijo demorado em sua bochecha, quase no canto da boca, deixando uma marca de batom azul no local.
Luck ficou paralisado por um instante, até passar os dedos lentamente pela própria bochecha.
Alex então virou as costas e começou a se afastar.
— Cuidado com a estrada! Tchau! — gritou Luck, observando Alex olhar para trás e acenar brevemente com uma das mãos em sinal de despedida.
O rapaz de cabelos cacheados sorriu. Por alguns segundos, acompanhou com o olhar enquanto Alex se afastava, caminhando em passos rápidos, balançando os quadris graciosamente de um lado para o outro.
“Bunduda do caralho”, pensou Luck, desviando o olhar de volta para a frente. Em seguida, pisou no acelerador e partiu rumo ao seu destino.
Enquanto seguia pela estrada em seu carro, Luck se viu em uma descida em espiral, que revelava a cidade se estendendo para baixo. A rua era um pouco estreita, com o asfalto levemente gasto nas bordas. À direita, nada se via além do morro que cobria a paisagem, enquanto à esquerda, avistava-se parte da cidade — prédios, ruas e um rio enorme que a cortava ao meio.
Enquanto avançava, algo estranho chamou sua atenção para o lado esquerdo. Uma espécie de homem gigante azul, aparentemente feito de energia, formava-se sobre os prédios. A criatura caminhava lentamente pelas ruas até ser surpreendida por estrelas gigantes e multicoloridas, que o rodeavam e o derrubavam. O impacto gerou uma pequena onda de energia que se expandiu por um breve instante antes de desaparecer junto com as estrelas.
Logo atrás delas, surgiram mais figuras: um cavalo gigante, um minotauro, um arqueiro e, à frente, o primeiro avião criado por Santos Dumont. Todos marchavam em fila, seguindo o mesmo caminho.
“Nem fodendo que já estamos no carnaval?”, pensou Luck, seguindo viagem.
Mais um tempo se passou, e Luck já estava andando com seu carro por uma rua movimentada, até que ele seguiu por uma curva e adentrou em uma rua sem saída. No final dela, ele pode ver o local que ele iria estudar.
Um enorme castelo, com torres altivas ao ponto de parecer que estava cortando o céu. Os muros feitos de pedras antigas, muito bem preservadas, ao ponto de irradiar uma aura de poder e muita tradição, como se cada tijolo tivesse séculos de história sobre os Sentinelas que por ali se formaram.
O portão principal era feito de um ferro negro adornado por runas douradas que brilhavam intensamente. Dois guardas estavam à frente do local, vigiando a entrada, fazendo caras sérias para uma multidão de pessoas que ali estavam.
Luck parou seu carro bem perto da multidão, que tomava até uma pequena parte da rua, feito esse que fez alguns olharem para ele com uma estranheza na face de seus rostos.
“Meu Deus do céu, onde é que eu fui me meter?”
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