
ECOS DE UM CORAÇÃO OCULTO One Shot
Capítulo Único
O amor, esse sentimento caprichoso, não é mesmo? Lá estamos nós, navegando calmamente pela vida, quando, inesperadamente, nosso cérebro nos prega uma peça e nos faz gostar de alguém. Se for alguém com quem um relacionamento é
possível, tudo bem. Mas o desafio surge quando nos apaixonamos por quem jamais poderá ser nosso. Era assim que eu me sentia em relação a você.
Você era a personificação da alegria, sempre sabia como me animar. Eu me derretia quando você brincava comigo sobre meus cabelos ruivos, dizendo que nunca tinha visto um brasileiro assim. Agora, é com tristeza que relembro como tudo acabou
A sensação térmica hoje está agradável, o dia transborda alegria, perfeito para um passeio na praia ou um lazer em família. Contudo, para mim, nada parece bom. Encontro-me neste vasto e solitário jardim, sob um clima sombrio, com os olhos inundados de lágrimas, incapaz de sentir um pingo de felicidade.
Atônito, meus olhos, já velhos e cansados, falham em discernir o que está à minha frente. As lágrimas turvam minha visão, agravando o que já é doloroso. Tudo que consigo ouvir são os soluços e os gritos lancinantes das pessoas ao meu redor.
Encosto-me a uma árvore próxima, levanto o olhar para o céu, onde uma nuvem se interpõe entre meus olhos e o sol, oferecendo-me um breve alívio. Mas pouco me importa o que possa acontecer; vivi tempo suficiente para me preocupar com minha própria saúde, não tenho mais nada a perder.
Fecho os olhos e você surge em minha mente: sua pele oliva e macia, seus cabelos castanhos escuros e ondulados, seus olhos verdes e raros, que sempre considerei seu maior charme, e, acima de tudo, seu sorriso. Um sorriso tão resplandecente que aquecia meu coração, despertando em mim o desejo de segurar em sua mão e fugir dessa terrível escuridão que assolava minha vida.
Recordo-me do nosso primeiro encontro, durante uma partida de um jogo online. Estávamos na mesma equipe. Nunca fui aficionado por videogames, mas meu sobrinho desejava vencer um torneio do jogo, e por alguma razão, apesar de minha indiferença, eu era bom nele, quis fazer esse agrado ao menino. Naquele momento, eu não te conhecia, apenas ouvia sua voz, fina e elegante, com um toque de inocência, que contrastava com a maturidade de suas palavras.
"Vamos, pessoal, ainda há tempo para vencer. Enquanto o relógio não parar, a vitória pode ser nossa!"
"Você joga pior que minha avó, pelo amor de Deus! Vai pra cima dele, estamos num mundo virtual, ele não vai te morder."
Essas eram suas palavras, sempre incentivando o time. Com o passar do tempo, jogamos juntos com mais frequência. Sempre admirei você. Por toda minha vida, fui um rapaz tímido, avesso à exposição ou liderança. Você, por outro lado, não tinha essas inibições, era espontânea, preenchendo o vazio em mim.
Mas não era só isso. Por muito tempo, senti-me como sua sombra, vendo-a como alguém inalcançável. Até que um dia, você foi dura com um colega de equipe, interpretando-o mal, o que levou a uma discussão. Intervi, explicando que você estava equivocada. Meio envergonhada, você aceitou o erro, e desde aquele dia, evoluímos de meros colegas de jogo para amigos.
Pode ter sido um momento um pouco bobo, mas naquele dia eu percebi que você não era tão inalcançável quanto eu pensei, assim como eu era um ser humano que tem seus pontos positivos e negativos, aí me senti mais a vontade de me aproximar de você.
Após incontáveis conversas, brincadeiras e provocações, nossa proximidade cresceu, e percebi que a admiração que sentia por você se transformava em algo mais profundo: era amor.
Não conseguia tirar você da minha mente, nem cessar de imaginar um futuro ao seu lado. Diferentemente do que sentia por outras mulheres, que se limitava ao desejo carnal, com você eu vislumbrava um amanhã. Não eram apenas pensamentos efêmeros; sua simples saudação, mesmo nos meus piores dias, era capaz de me trazer alegria. Até mesmo quando alguns parentes conversavam comigo eu fazia de tudo para acabar a conversa rapidamente sem prolongar muito, já com você eram horas e horas de conversa sem enjoar.
Então veio o dia em que desci ao inferno pela primeira vez. Você me convidou para passar uns dias na casa de férias da sua família na Austrália. Eu poderia levar uma namorada, ou qualquer pessoa que desejasse, mas como poderia, sentindo o que sentia por você?
Ao chegar lá, ao vê-la pessoalmente, tão bela quanto nas fotos, meu coração disparou. Nosso abraço foi um encontro de almas. Mas então, meu mundo desabou: um homem te abraçou por trás e te beijou. Você o apresentou como Ricardo, seu namorado.
Claro, você nunca alimentou falsas esperanças em mim; éramos amigos, nada mais. Não guardo rancor de Ricardo; após superar a raiva inicial, percebi que ele era um bom homem, digno de você, e até nos tornamos amigos. Mas desde aquele dia, escondi meus verdadeiros sentimentos por você.
O tempo passou, e me envolvi com outras mulheres, tentando seguir em frente. Elas eram agradáveis, compartilhavam meus interesses, mas havia sempre algo faltando: elas não eram você. Pulei de um relacionamento conturbado para outro, enfrentei terapias de casal, divórcios, filhos sofrendo na escola pela infelicidade do pai. Senti-me um homem falho, incapaz de ser um bom padrinho até mesmo para os seus filhos.
Olhando para eles, e para os meus próprios filhos, eu imaginava como seriam os nossos, como seria minha vida se não estivesse preso a esse sentimento que amargurava meu coração.
Agora, aos 95 anos, após muitos divórcios, percebo que nunca fui completamente feliz. Sempre houve um vazio, uma lacuna que nada podia preencher.
Aproximei-me dentro da capela e olhei para o caixão onde você jazia. Sua pele, agora pálida; seus olhos, fechados, que, se abertos, estariam sem vida; seu rosto, sem rugas; seus cabelos, agora grisalhos.
Vi Ricardo consolando sua filha mais nova, ambos consumidos pelo luto. Pousei minha mão sobre as suas, entrelaçadas em seu peito. Seu filho mais velho se aproximou e me envolveu com um braço.
— Está tudo bem agora, tio Thomas. A mamãe não vai mais sofrer com o câncer. Apesar da tristeza, sinto um alívio por ela ter partido. Era insuportável vê-la gritar e sofrer com a doença — disse ele, tentando parecer forte, mas sua voz denunciava a tristeza.
Como o mais velho, ele sempre se viu como o pilar da família, o sábio, o experiente. No entanto, sua fragilidade era tão palpável quanto a de qualquer outro.
Ele se referia ao dia que descrevi como minha segunda descida ao inferno, quando você me chamou para um encontro no parque. Estranhei o convite, mas aquele se tornou um dos dias mais felizes da minha vida. Brincamos e rimos, cometemos travessuras como se fôssemos jovens outra vez.
Todos no parque observavam o casal de idosos agindo como adolescentes, quando a inocência ainda dominava suas mentes. Pensei que, se tivéssemos nos conhecido naquela época, talvez estivéssemos casados agora.
No final daquela noite, ao te levar para casa, você me revelou a verdade: seu câncer estava em estágio terminal, e restava-lhe apenas um ano de vida. Aquela notícia me abalou profundamente, lembrando-me da fragilidade da existência humana. Mesmo com uma vida saudável, estamos sempre à mercê do inesperado.
Naquele dia, fiquei paralisado, sem reação. Demorei a te visitar novamente e, quando finalmente encontrei coragem, descobri que uma complicação havia antecipado o inevitável.
Não pude acreditar. Por que não aproveitei aquele momento para revelar meus sentimentos? Por que não confessei meu amor? E o pior, por que não disse nada? Nem uma palavra de consolo. Você partiu, e eu nem sequer me lembro das últimas palavras que trocamos.
As lágrimas começam a cair enquanto me lembro daquele dia. Tudo ao meu redor escurece, e o único som que ouço são os gritos com meu nome.
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Depois que eu retomei a consciência, a única coisa que escutei foram os barulhos que aqueles aparelhinhos do hospital fazem, e sinto uma leve ardência no meu braço direito, aos poucos vou abrindo os meus olhos e tudo está turvo, mas vou reconhecendo o lugar, era um quarto de cor azul ciano e pintado de branco no rodapé, estava deitado em uma maca com um soro espetado em minha veia.
Escuto o barulho do ranger das portas e Cherry, sua filha do meio passou por ela, incrível como de aparência ela é a que mais se assemelha a você Ana Júlia.
— Oi tio Thomas, como o senhor está se sentindo? — ela diz se aproximando de mim e segurando a minha mão.
— Estou um pouco tonto, o que aconteceu?
— Durante o enterro o senhor desmaiou e meu pai te trouxe para cá, tentamos contato com os seus filhos mas ou não respondem, ou estão ocupados. Bando de mal agradecidos — ela diz com a sobrancelha arqueada e com indignação em sua voz.
— Não se preocupe filha, eu também não fui o melhor pai do mundo para eles, devem se preocupar com as suas próprias coisas mesmo.
— Mesmo assim o senhor é pai, eles deviam ter essa consideração. Iria rebater ela, mas preferi não prolongar mais essa conversa.
— Olha, mudando de assunto, o médico disse que só vai te deixar em observação por mais 24 horas e já vai te liberar para casa, foi só uma queda de pressão mesmo, nada tão preocupante.
— Vaso ruim não quebra fácil mesmo, queria que tivesse alguma coisa, pois agora podia estar encontrando com a minha amiga.
Lágrimas se formam em seus olhos e ela coloca a mão dela sobre a minha.
— Vira essa boca para lá tio, todos nós gostamos muito do senhor, não temos laços consanguíneos, mas para nós três é como se de fato fosse o nosso tio.
Dei um sorriso para ela, bom saber que mesmo com todos os meus problemas pude ter o respeito e admiração de pelo menos algumas pessoas. Em seguida fico triste ao lembrar que nem pude me despedir de você apropriadamente.
— Já vivi por 95 anos, não tenho mais o que fazer, o que tinha pra fazer em minha vida já fiz, e o que não pude já se acabou, por exemplo, nem falei com a sua mãe direito.
— Sabe tio, vou te contar um segredinho que a mamãe me contou um pouco antes de falecer — ela diz com um sorriso no rosto.
Eu arqueio as sobrancelhas expressando as minhas dúvidas, e presto atenção no que ela vai falar.
— Ela disse que a melhor coisa que aconteceu na vida dela foi ter conhecido o senhor, mesmo com o seu jeito frio de ser o senhor sempre a alegrava, sempre fazia ela se sentir bem com a sua presença, ela vivia pensando no senhor.
Então mais memórias suas pairavam pela minha mente, sempre notei que você sempre estava com um aspecto sorriso em minha presença, até mesmo quando o seu pai faleceu você se sentiu mais em paz quando a abracei tentando consolá-la, pois é, mesmo que não ficamos juntos, percebi que posso ter deixado a minha presença marcante em sua vida.
— Ela também me disse algo que eu não compreendi muito bem — uma expressão de dúvida surge em sua face
— E o que seria? — perguntei
— Ela me disse que nesses 102 anos de vida dela, o único arrependimento que ela tem foi de não ter contado algo especial para uma pessoa especial. Acredito que foi alguém que ela amava, pois ela disse que às vezes a gente esconde certas coisas devido a relacionamentos que já participamos a muito tempo, e que era para eu nunca fazer o contrário do que meu coração diria.
Espera, Ana Júlia, eu entendi direito, então por um acaso você…
— Até pensei em questionar melhor ela o que seria, mas… — a jovem coloca a mão no rosto e lágrimas começam a cair — eu não tive outra oportunidade de conversar com ela.
Você também gostava de mim Ana Júlia? Será que esse tempo todo era só eu ter tido coragem para me confessar? Naquele dia no parque eu senti que você queria me contar algo, mas estava exitando, achei que era o câncer, agora eu vou morrer com essa dúvida em minha mente, oh Deus, o que foi que eu fiz?
FIM
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